João Barradas apresenta dois discos: “Solo I” e “Portrait”

[Fotografia: Márcia Lessa]

Num gesto arrojado, o acordeonista, compositor e improvisador João Barradas acaba de lançar dois discos em simultâneo. Os álbuns Solo I e Portrait são edições em parceria entre a Nischo e a Inner Circle Music e representam duas facetas diferentes do músico. Em declarações exclusivas, João Barradas apresenta-nos estes seus dois trabalhos mais recentes.

Sobre o disco Solo I, Barradas conta: “É talvez o álbum mais pessoal até ao momento. Se me perguntassem qual a gravação onde poderiam conhecer a minha linguagem eu escolheria este solo no Centro Cultural de Belém. O formato recital é-me muito querido. Cresci com as gravações do Keith Jarrett e nos últimos anos Craig Taborn, Kris Davis, Carlos Zíngaro, Susana Santos Silva, Olivier Messiaen têm sido escutas constantes no formato a solo, livre, onde a escolha é feita no momento e decidirá todo o processo a posteriori. Foi um dia especial, gosto bastante de tocar no Centro Cultural de Belém. E ter uma sala cheia para ver um recital de acordeão sem programa previamente anunciado, ou melhor, com a informação apenas de que aquele concerto era uma improvisação total tornou aquele momento próprio em si mesmo. Não existiu uma forma pensada, nem uma preparação exaustiva. Apenas chegar e tocar. Sem temas, sem formas, apenas o acordeão acústico e o sintetizador. Até a própria ideia da gravação não nos era uma obrigação, essa possibilidade estava lá e só veria a luz do dia se todos gostássemos do resultado final, desde a música ao som. Não existe qualquer tipo de edição, ouve-se o público, os meus pés a baterem nos microfones, a minha respiração, o fole e as vozes a quebrar em alguns momentos. Gosto da ideia deste registo ser uma espécie de fotografia do que aconteceu na sala.”

Sobre o álbum Portrait, o acordeonista afirma: “É a materialização de uma música mais agressiva e sem conotações acordeonísticas óbvias, como o Directions ou os Home, com alguns dos meus músicos preferidos. Desde a primeira vez que toquei com o Mark Turner que adorei a forma como encarou a música e o processo de criação. Eram as comemorações dos 25 anos do grupo belga Aka Moon, com Miles Okazaki e outros convidados. E o Mark estava sempre pronto, lírico, calmo e coerente. Ficou a vontade de fazermos alguma coisa juntos, tinha sido a primeira vez que tinha tocado com um acordeão. Foi a escolha perfeita para se juntar a nós – Simon Moullier no vibrafone, Luca Alemanno no contrabaixo e Naíma Acuña na bateria. Nos últimos anos tinha vindo a tocar com o Simon e o Luca sempre que vinham para a Europa nos intervalos dos estudos da tour com a Thelonious Monk Institute, onde ambos eram alunos. Um dia em conversa com o Greg Osby fico a conhecer a Naíma e percebi que era o motor rítmico perfeito para tocar connosco. E acho que essa junção das diferentes personalidades é nítida desde o primeiro momento. Por exemplo com o tema “Care” (que dediquei ao meu pai), com o Mark a elevar a banda desde o início da improvisação até à melodia final, que só acontece realmente no fim. Estando a Naíma apenas a colorir, sem tempo, apenas a responder. Foi também o álbum de banda onde escrevi menos coisas. Menos informação, não existem grooves definidos, nem grandes kicks ensaiadas. São apenas temas lead sheet, melodia e cifra que tentamos dar vida e tornar algumas formas menos óbvias por via da extrapolação da estrutura de solos e de tema. E aí a Naíma e o Simon têm um papel fundamental como promotores de ideias rítmicas e de comping. Uma nota para o design: ambas as capas foram feitas pelo Travassos e a fotografia do Solo I é do Alfredo Matos.”