Disco: “Utopia” de MAU

MAU
Utopia
(Porta-Jazz, 2019)

O contrabaixista Miguel Ângelo tem participado em alguns dos projectos mais interessantes do jazz nortenho contemporâneo, como o Ensemble Super Moderne, o Pedro Neves Trio ou o quarteto MAP. Como líder, em 2013 editou o seu disco de estreia, Branco, e em 2016 seguiu-se o álbum A Vida de X – ambos os gravados com um quarteto que inclui o notável saxofonista João Guimarães. Com estes discos Miguel Ângelo afirmou-se como instrumentista de óptimo nível, mostrando um jazz sólido assente em composições fortes. Contudo, foi com o disco I think I’m going to eat dessert (edição Creative Sources, 2017), gravação arriscada de contrabaixo solo, que mostrou a amplitude da sua visão sonora, mergulhando no universo da improvisação aberta.

Agora, Miguel Ângelo cria uma nova formação, um trio inédito, para explorar um mundo musical substancialmente diferente. Para este MAU (acrónimo para Miguel Ângelo Utopia), ao contrabaixo junta-se a bateria de Mário Costa, extraordinário baterista com uma carreira que já passou a fronteira, autor do aplaudido disco Oxy Patina – e com quem Ângelo tem trabalhado na secção rítmica do Ensemble Super Moderne: e junta-se a guitarra de Miguel Moreira, músico também muito solicitado, que como líder editou em 2012 o disco Câmbio.

Há uma aproximação ao rock (naturalmente, pelo som da guitarra), mas aqui trabalha-se sobretudo um jazz aceso, com espaço para a improvisação. Todos os temas do disco são composições originais do trio, que atravessam diversos ambientes. Desde logo, o arranque do disco: a falsa turbulência do tema de abertura “Distopia” contrasta em absoluto com as linhas redondas da melodia de “Biploar”. Ao longo do disco há união, há envolvimento colectivo e, sobretudo, há muitas ideias. Um dos temas “Eden”, inclui a voz de Agostinho da Silva (gravação do programa “Conversas Vadias” da RTP, 1990), com o trio a manter uma sombria massa sonora em fundo. O grupo anuncia-se como Utopia, mas a sua música não faz jus ao nome, não é inatingível: o encontro musical de Ângelo, Moreira e Costa é real e esta música é fluida e cativante.