VIC NIC: uma nova editora de Aveiro para o mundo

Acaba de nascer uma nova editora. A VIC NIC é um projecto editorial que tem por objectivo a edição musical de diferentes estéticas, em diferentes formatos, além da publicação de obras visuais e escritas. Na sua apresentação a editora promete “estimular a partilha, a experimentação e a co-criação, através da articulação entre a pesquisa, a produção e a difusão de formas únicas de ver o mundo”.

O projecto editorial está intimamente ligado à VIC // Aveiro Arts House: uma casa-museu, residência artística, guesthouse e centro-de-artes que, desde 2016, tem vindo a programar pequenos eventos e festivais, promover a conservação do património cultural e a desenvolver projectos comunitários de arte participativa.

A editora irá editar trabalhos de artistas de Portugal e do mundo e tem já planeados os primeiros lançamentos: como “número zero” será apresentado Zona Autónoma Improvisada de Hugo Branco (a 12 de Março, edição apenas digital); como primeira edição oficial chegará Transmissions from the Secret Cinema, Vol. 1 (a 30 de Abril, vinil e digital), uma compilação de artistas que já actuaram ao vivo na VIC // Aveiro Arts House; irão seguir-se álbuns de Santi Lesca, Skier and Yeti, Troll’s Toy e Probióticos (projecto electrónico de Filipe Fernandes e João Grilo), entre outros.

Entrevista: João Almeida


[Fotografia: Vera Marmelo]

João Almeida é um trompetista da nova geração e tem-se afirmado em diferentes contextos, desde o jazz até à improvisação livre, participando em inúmeros projectos e colaborações. No momento em que acaba de editar dois novos discos em duo, Ground Unit com Tiago Paiva e Miniatures com Pedro Massarrão , João Almeida fala sobre o seu percurso e sobre o seu trabalho.

Como começaste a tocar? Porque escolheste o trompete?
Comecei a tocar trompete numa banda filarmónica. Tinha entre 7 e 8 anos e a minha irmã mais velha estava a estudar piano na altura. Os meus pais acharam por bem que eu também aprendesse a tocar um instrumento. Inicialmente, queria aprender a tocar saxofone, mas não tive muito poder de escolha no assunto. Por já haver bastantes saxofonistas na banda, impingiram-me o trompete. A verdade é que depois de pegar no instrumento e começar a descobrir como produzir som, fiquei agarrado.

Quais foram as primeiras (e quem são actualmente) e as mais importantes influências no instrumento e na música que fazes?
Acho que os primeiros trompetistas que me inspiraram vêm do mundo da música erudita, por ter começado a estudar no conservatório. O primeiro nome que me vem à cabeça é o Reinhold Friedrich. Já nessa altura ouvia jazz, sendo que o primeiro músico de jazz que o meu pai me mostrou foi o Charles Mingus. Acho que nos discos que ouvi dele estava sempre o trompetista Jack Walrath (Talvez Changes One ou Changes Two). Entretanto, comecei a ouvir muito Miles Davis, Clifford Brown e Freddie Hubbard. Mas o trompetista de jazz que ouvi mais foi sem dúvida o Kenny Dorham, tanto nos discos em que é líder, como nos discos em que é “sideman” – especialmente a parceria com o Joe Henderson (In ‘n Out, Page One, Our Thing), o Point of Departure do Andrew Hill, o Vertigo do Jackie McLean e o Hard Driving Jazz do Cecil Taylor. Actualmente, no trompete tenho de apontar a Susana Santos Silva, Nate Wooley (tem um trio incrível chamado Icepick com o Chris Corsano e o Ingebrigt Håker Flaten), Peter Evans, Axel Dörner, Greg Kelley, o trompetista libanês Mazen Kerbaj, Franz Hautzinger e, mais recentemente, tenho descoberto novos nomes na música improvisada. O Brad Henkel e o Jacob Wick são dois trompetistas interessantes e têm um disco a duo na Relative Pitch Records que vale muito a pena ouvir! Para além de trompetistas, oiço muito a música do Craig Taborn, Tyshawn Sorey, Chris Speed (o trio especialmente!), Joe Morris (aquele álbum em quarteto lançado na Clean Feed é qualquer coisa!), Ken Vandermark, entre muitos outros. Continue reading “Entrevista: João Almeida”

Luís Figueiredo tem novo disco a solo


O pianista Luís Figueiredo acaba de editar um novo disco. À Deriva é o seu primeiro registo em solo absoluto, depois de ter editado já três discos em nome próprio (Manhã, Lado B e Kronos/Penélope), além de diversas parcerias, como duo Songbird, duo com Sofia Vitória, trio Círculo e trio This Was What Will Be, entre outros. O disco é editado pela Roda Music, um projecto editorial que nasceu da iniciativa de Figueiredo, Rita Maria e Mário Franco, e que conta já com quatro gravações publicadas. Este novo disco pode já ser encomendado e escutado online.

O pianista apresenta este seu novo trabalho: “A improvisação livre sempre ocupou um lugar extremamente importante em tudo o que faço musicalmente. A maioria das minhas composições brotou de momentos de improvisação livre (em casa, numa sala de concertos ou noutros lugares) e tenho incorporado esse elemento cada vez mais ao longo dos anos. Falo em «improvisação livre» para me referir ao tipo de improvisação que é tão despreparada quanto possível e que não conhece restrições de qualquer tipo. A improvisação a solo ao piano é o lugar onde me sinto mais perdido e ao mesmo tempo mais ligado a mim próprio e ao instrumento. Para mim, é também uma forma extrema de escuta, de entrega a esse nada e de aceitação do resultado desse processo. À semelhança de tantas expressões do léxico português, «à deriva» tem óbvias conotações marítimas. Não é por acaso que a certa altura este álbum se chamou “Lost at Sea”. Cada faixa é um exercício de procura de significado onde não existe um ponto de partida. O que se segue a esse nada inicial é uma viagem em direcção a esse significado. Espero sinceramente que o ouvinte encontre algum tipo de inspiração nessa viagem.”

Jazz da pandemia: produção nacional de 2020

[O Triunfo da Morte, Pieter Bruegel, o Velho]

A pandemia atacou ferozmente a cultura mas, apesar de tudo, a música continuou a florescer em registos gravados, particularmente nos terrenos do jazz e da música improvisada. Depois de um primeiro apanhado dos registos do ano, aqui fica mais uma seleção da colheita musical de 2020, para fechar definitivamente o ano. Continue reading “Jazz da pandemia: produção nacional de 2020”

Chão Maior apresenta disco de estreia


Chão Maior, projecto liderado pelo trompetista Yaw Tembe, acaba de apresentar o seu disco de estreia. Tembe (trompete, electrónicas e composição) conta aqui com a companhia de uma verdadeira formação “allstar”: Norberto Lobo (guitarra), Leonor Arnaut (voz), João Almeida (trompete), Yuri Antunes (trombone) e Ricardo Martins (bateria). O disco Drawing Circles acaba de ser publicado, com edição Revolve, e já pode ser escutado na página Bandcamp.

Disco: “Elevation” de Toral / Williams / Daisy

Rafael Toral / Mars Williams / Tim Daisy
Elevation

(Relay Recordings, 2019)

Nesta nova gravação em trio Rafael Toral explora o seu universo electrónico em diálogo com dois músicos da cena jazz de Chicago: o saxofonista Mars Williams e o percussionista Tim Daisy. Este disco joga em complemento com outros dois álbuns de Toral editados recentemente: Open Space, uma retrospectiva do seu programa espacial, e Jupiter and Beyond, duo com o percussionista portuense João Pais Filipe. Neste Elevation Toral assume lado jazzístico e, com Williams e Daisy, trata de estabelecer uma improvisação dialogante. Os dispositivos electrónicos de Toral (feedback, amplificadores modificados e oscilador de eléctrodos) ligam-se com os saxofones de Mars Williams e as percussões de Tim Daisy, na procura de um caminho comum. O resultado é mais um documento memorável no já vastíssimo catálogo de Toral (vale a pena explorar tranquilamente aqui).

El Intruso: 13th Annual Critics Poll

Fui convidado a participar na votação anual do site El Intruso, que reúne as escolhas de mais de 67 críticos de jazz e música improvisada de diversos países.  Estas foram as minhas escolhas:  

Músico: Sara Serpa
Músico Revelación: Luísa Gonçalves 
Grupo: Kaja Draksler Octet
Grupo Revelación: Pedro Melo Alves’ In Igma
Álbum: Sara Serpa – Recognition (Biophilia Records)
Batería: Pedro Melo Alves
Contrabajo: Hugo Antunes
Guitarra: Jeff Parker
Piano: Kaja Draksler
Saxo Tenor: Ingrid Laubrock
Trompeta / Corneta: Susana Santos Silva
Vibráfono: Joel Ross
Cantante Femenina: Sara Serpa
Cantante Masculino: Theo Bleckmann
Sello Discográfico: Clean Feed Records 

Votações completas: elintruso.com

Bernardo Devlin apresenta novo disco

Autor de canções inclassificáveis, Bernardo Devlin é um músico com percurso rico, que vai desde os Osso Exótico até uma discografia a solo ímpar, além de inúmeras parcerias. Devlin acaba de editar um novo disco, Proxima b, que conta com diversos músicos convidados, como Ernesto Rodrigues, Helena Espvall ou Oliver Vogt. Numa pequena entrevista Bernardo Devlin apresenta este novo trabalho.

Este novo disco tem um título algo enigmático. Porquê este título,  Proxima b, o que significa?
Em primeiro lugar gostaria de referir que quando escolho um título procuro que funcione mais como uma pista ou uma referência e certamente prefiro que a interpretação seja deixada em aberto. Proxima b é um exoplaneta a muitos milhares de anos-luz da Terra. Salvo haver suspeitas quanto à sua possível habitabilidade pouco ou nada se sabe acerca dele. O álbum tem como subtítulo As duas antenas do caracol, o que implica por um lado lentidão e por outro vigilância.

Que ideias quiseste trazer para este disco?
Em continuidade com a resposta anterior, podemos pegar nos factos mais recentes da conquista do espaço como medida para o estado de evolução da espécie humana – algo que provavelmente deveria advir de um esforço progressista de união global e que, se ainda cá estivermos, será uma questão de necessidade para a sobrevivência da espécie. O pouco que tem vindo a acontecer nesse campo é mais movido por um desejo de capitalização ou mesmo privatização do espaço. Isso diz muito acerca do estado brutalmente primitivo em que nos encontramos. A ganância que isso implica, que diz muito acerca da conjuntura actual, e as consequências que se têm vindo a fazer sentir no nosso quotidiano estão no sentimento deste álbum. Mas não é ficção-científica. É só mais um ponto de vista quanto ao estado das coisas por aqui, e também quanto à lentidão do progresso da mentalidade humana em geral.

Neste disco trabalhas com um leque alargado de músicos, alguns deles participaram no teu disco Circa 1999 (9 Implosões), como o Ernesto Rodrigues e o Oliver Vogt. Como decorreu a selecção de músicos para este trabalho?
Como sempre. Essa selecção é feita de acordo com a natureza do projecto e prefiro recorrer a aqueles que conheço quer como músicos quer como pessoas. De resto, as coisas são definidas pelas disponibilidades de cada um.

Passaram oito anos desde o disco anterior, Sic Transit, editado em 2012. O que estiveste a fazer durante este tempo?
Tenho um outro projecto que se chama Chroma Key em vias de finalização, mas não sei dizer quando sairá. Estive envolvido em dois grupos, Capital “O” e Time Machine. Colaborei com os franceses Hifiklub, com o Vítor Rua e com o DWART. Em resumo, os oito anos de espaço entre os dois álbuns não reflectem em nada o meu ritmo de produtividade.

Há planos para apresentar esta música ao vivo?
Não, pela simples razão de não haver condições para o fazer.

Ao vivo: Mano a Mano @ Teatro Villaret, Lisboa 

Assinalando o lançamento do seu mais recente registo, O Disco de Natal, o duo Mano a Mano apresentou-se ao vivo no Teatro Villaret, em Lisboa, a 17 de dezembro. O projecto de André Santos e Bruno Santos, dois irmãos guitarristas madeirenses, chega ao quarto disco com um conjunto de canções de Natal interpretadas com duas guitarras, com arranjos originais jazzísticos.

Em plena época de pandemia o Villaret acolheu um espectáculo raro. André e Bruno Santos abriram o concerto com “I’ll be home for Christmas”, com as duas guitarras unidas, exibindo o método de trabalho da dupla. Guitarristas virtuosos, cada tem com a sua personalidade musical bem definida (ouça-se Caixa de Música de Bruno e Vitamina D de André, para perceber as diferenças), mas neste projecto os irmãos navegam para o mesmo lado: desdobram os temas, vão à raíz de cada composição e refazem-na sem abdicar do eixo melódico. As guitarras entrelaçam-se, o protagonismo é alternado.  

Seguiram-se temas como “This Christmas”, “Santa Claus Is Coming to Town” e “White Christmas”, este num solo de Bruno Santos, que continuou em “Jingle Bells”, já em duo. Além dos clássicos americanos, o duo foi buscar dois tradicionais madeirenses e acrescentou dois originais (destaque para o “Blues Para o Pai Natal” assinado por Bruno Santos). Para lá das guitarras, a dupla serviu-se ainda de cordofones tradicionais da Madeira (braguinha e rajão) e do banjo, em alguns dos temas. Pelo alinhamento – do concerto e do disco – passam ainda temas obrigatórios da época, como “Have Yourself a Merry Little Christmas”, “Silent Night” e “We Wish You a Merry Christmas”. No final o público aplaudiu, numa ovação entusiasmada.

O mundo precisava de mais um disco de Natal? Talvez não, mas música original nunca é demais, é sempre bem-vinda. A dulpa madeirense não se limita a reinterpretar clássicos, trata de dar novas roupagens a temas intemporais, acrescentado-lhes a sua personalidade musical. Esqueçamos o preconceito, deixemos de lado as dúvidas: a abordagem original da dupla justifica plenamente a existência deste disco. A todos um bom disco de Natal!