Entrevista: João Almeida


[Fotografia: Vera Marmelo]

João Almeida é um trompetista da nova geração e tem-se afirmado em diferentes contextos, desde o jazz até à improvisação livre, participando em inúmeros projectos e colaborações. No momento em que acaba de editar dois novos discos em duo, Ground Unit com Tiago Paiva e Miniatures com Pedro Massarrão , João Almeida fala sobre o seu percurso e sobre o seu trabalho.

Como começaste a tocar? Porque escolheste o trompete?
Comecei a tocar trompete numa banda filarmónica. Tinha entre 7 e 8 anos e a minha irmã mais velha estava a estudar piano na altura. Os meus pais acharam por bem que eu também aprendesse a tocar um instrumento. Inicialmente, queria aprender a tocar saxofone, mas não tive muito poder de escolha no assunto. Por já haver bastantes saxofonistas na banda, impingiram-me o trompete. A verdade é que depois de pegar no instrumento e começar a descobrir como produzir som, fiquei agarrado.

Quais foram as primeiras (e quem são actualmente) e as mais importantes influências no instrumento e na música que fazes?
Acho que os primeiros trompetistas que me inspiraram vêm do mundo da música erudita, por ter começado a estudar no conservatório. O primeiro nome que me vem à cabeça é o Reinhold Friedrich. Já nessa altura ouvia jazz, sendo que o primeiro músico de jazz que o meu pai me mostrou foi o Charles Mingus. Acho que nos discos que ouvi dele estava sempre o trompetista Jack Walrath (Talvez Changes One ou Changes Two). Entretanto, comecei a ouvir muito Miles Davis, Clifford Brown e Freddie Hubbard. Mas o trompetista de jazz que ouvi mais foi sem dúvida o Kenny Dorham, tanto nos discos em que é líder, como nos discos em que é “sideman” – especialmente a parceria com o Joe Henderson (In ‘n Out, Page One, Our Thing), o Point of Departure do Andrew Hill, o Vertigo do Jackie McLean e o Hard Driving Jazz do Cecil Taylor. Actualmente, no trompete tenho de apontar a Susana Santos Silva, Nate Wooley (tem um trio incrível chamado Icepick com o Chris Corsano e o Ingebrigt Håker Flaten), Peter Evans, Axel Dörner, Greg Kelley, o trompetista libanês Mazen Kerbaj, Franz Hautzinger e, mais recentemente, tenho descoberto novos nomes na música improvisada. O Brad Henkel e o Jacob Wick são dois trompetistas interessantes e têm um disco a duo na Relative Pitch Records que vale muito a pena ouvir! Para além de trompetistas, oiço muito a música do Craig Taborn, Tyshawn Sorey, Chris Speed (o trio especialmente!), Joe Morris (aquele álbum em quarteto lançado na Clean Feed é qualquer coisa!), Ken Vandermark, entre muitos outros.

Trabalhaste com o Peter Evans no workshop Som Crescente, que foi apresentado ao vivo na Gulbenkian. Como foi essa experiência?
Foi uma experiência muito positiva por muitos factores. Já tinha tido a oportunidade de trabalhar com o Peter nesse ano, tanto individualmente como no workshop Som Crescente na ZDB. Na edição anterior à da Gulbenkian, abordámos principalmente música contemporânea. Para mim, na primeira ocasião, foi especialmente positiva a forma como trabalhámos (um dia de ensaio + concerto no dia seguinte) e o facto de estarmos a tocar aquela música (Anthony Braxton, Pauline Oliveros…). Na segunda ocasião, tivemos mais tempo para ensaiar e a instrumentação também era um pouco diferente da primeira vez, saxofone e dois trompetes, piano, contrabaixo, bateria e electrónica. Foi bom ver o processo de ensaio do Peter, as ferramentas que utiliza para tornar a banda mais coesa e foi bom também ter mais tempo para discutir a música com ele e com o grupo. Depois, poder tocar no anfiteatro da Gulbenkian foi muito bom, um palco incrível!

Tens trabalhado em contextos diferentes, entre o jazz convencional e a improvisação livre. Como concilias trabalhar com esses diferentes universos?
À partida, diria que não são universos tão distantes como aparentam ser. Em ambos os casos acho que tem mais a ver com as pessoas com quem trabalho e com as suas expectativas em relação à música, do que propriamente com o estilo. Eu tento, em qualquer dos contextos, implementar a minha forma de apreender a música (claro que quanto mais preparação houver da minha parte, melhor o resultado final).

Já editaste três gravações a solo, Solo Sessions, Static I e Static II. O que pretendeste trabalhar com estes registos?
Foi diferente para cada um deles. Para o Solo Sessions foram várias coisas: a vontade de registar um trabalho que tinha (e tenho) vindo a desenvolver nos três anos anteriores e que senti que tinha chegado a um bom estado de maturação (claro, sempre com espaço para melhorias e desenvolvimentos), nomeadamente a exploração de técnicas estendidas no trompete. Para além disso, outros fatores que me levaram a materializar esta exploração, foram o primeiro confinamento desta pandemia (tempo extra), a curiosidade em saber como produzir um disco, passando por todos os processos técnicos e conceptuais que envolvem fazê-lo (gravação, mistura, masterização, design e artwork, etc..), e aprender como melhor expor o meu trabalho à crítica e aos meios de comunicação. Para o Static I e Static II foi o entrar em três mundos completamente novos para mim, o field recording e os sintetizadores modulares, ambos aliados à ideia de estatismo e de como pode existir movimento em algo que está estático e/ou imóvel. Ainda é uma ideia pouco clara para mim e acho que por isso mesmo é que decidi entrar numa zona de não-conforto, tanto a nível técnico como conceptual.


[Fotografia: Vera Marmelo]

Acabas de publicar dois discos novos em duo, Ground Unit com Tiago Paiva (guitarra) e Miniatures com Pedro Massarrão (violoncelo). Como descreves a música destes discos?
Para o Ground Unit, descreveria a música como imersiva e densa. Para Miniatures, descreveria como uma espécie de música de câmara improvisada. A ideia por de trás destes discos era convidar amigos de longa data a deixarem a sua zona de conforto e entrarem na improvisação sem qualquer receio. Sendo ambos de áreas diferentes, o resultado foi igualmente distinto. Cada disco reflete muito bem o background de cada um. Estou muito contente que tenham aceite o desafio, e que o resultado tenha sido dois discos de que gosto muito também. Mais duos destes estão para vir!

Integras o grupo Garfo, que reúne um conjunto de jovens talentos da nova geração – Bernardo Tinoco (saxofones), João Fragoso (contrabaixo) e João Sousa (bateria). Como se encontra esse projecto?
Está muito bem! No final do ano passado fomos a estúdio e estamos agora a finalizar o processo de produção do disco. Vai sair entre Setembro e Outubro deste ano.

Nos últimos anos em Portugal têm-se afirmado muitos músicos ligados ao jazz e à música improvisada. Como tens assistido a este fenómeno?
Tenho estado bastante atento à música e aos músicos que têm surgido nestes últimos tempos, e para além disso, vejo também os caminhos que estão a ser percorridos. Acho que é uma excelente demonstração de que há cada vez mais músicos em Portugal, bons e completos. Seria de esperar que à medida que este crescimento acontece, houvesse um maior apoio por parte do estado português, mas as coisas são como já sabemos e, infelizmente, a cultura neste país é bastante descurada e posta de lado.

Como tens lidado com a pandemia, o confinamento e o cancelamento da música ao vivo?
Tenho aproveitado para me manter ocupado, produzir estes novos álbuns, escrever música, entrar e manter contacto com músicos e artistas que me interessam e manter-me em forma para assim que for possível estar em palco outra vez, estar pronto.

Em que outros projectos estás envolvido? Planos para os próximos tempos?
No ano passado surgiu uma mão cheia de novos projectos. O duo com o contrabaixista Gonçalo Almeida, um trio com o mesmo e com o baterista João Lobo (a tocar música que escrevi para eles), um trio com o Norberto Lobo e o João Lopes Pereira (apenas de música improvisada), um duo com o baterista Ricardo Martins (utilizando processamento dos instrumentos e sintetizadores modulares) e um quarteto com o Rodrigo Amado, o João Valinho e o Hernâni Faustino. Em paralelo, faço agora parte da Associação Robalo, liderada pelo Gonçalo Marques, e teremos algumas novidades para breve. Planos para os próximos tempos: gravar com os projectos que enumerei e estou a pensar montar um ensemble um pouco maior do que estou habituado e ver como resulta.