Livro: You are beautiful and you are alone

Jennifer Otter Bickerdike
You are beautiful and you are alone – The biography of Nico
(Faber, 2021)

A cantora Nico tem o seu nome gravado na história da música do século XX, particularmente pela ligação aos Velvet Underground. Contudo, a sua figura continua envolta em mistério. A cantora alemã desenvolveu uma interessante carreira a solo, gravando vários discos de música original, além de diversas participações em filmes. E o seu percurso artístico foi sempre ensombrado pela sua vida pessoal, marcada por ligações românticas e um caminho tortuoso marcado pela dependência de drogas.

Nesta biografia You are beautiful and you are alone, assinada por Jennifer Otter Bickerdike, a autora trata de transmitir quem foi realmente a cantora, desconstruindo mitos, transmitindo factos, tentando chegar à verdade através de um apurado trabalho de investigação, cruzando relatos e entrevistas com pessoas que conviveram com a cantora. Bickerdike trata de seguir a linha cronológica, acompanhando cada situação com declarações de pessoas envolvidas em cada um dos momentos.

Christa Päffgen nasceu em 1938 em Colónia e cresceu em Berlim. Após uma infância difícil, foi descoberta e embarcou numa carreira como modelo, que a fez sair da Alemanha. Viajou por Paris e Nova Iorque e adotou o pseudónimo “Nico”. Pelo meio estudou interpretação e foi acumulando pequenas participações em filmes, incluindo no clássico La Dolce Vita de Federico Fellini.

Tendo estabelecido ligações ao meio musical, iniciou o seu percurso discográfico em 1965 com o single I’m not sayin (composição de Gordon Lightfoot, com um tema original de Andrew Loog Oldham e Jimmy Page como lado B). Depois, por sugestão de Andy Warhol, juntou-se aos Velvet Underground, gravando o disco de estreia The Velvet Undergound & Nico (1967), dando voz aos temas “Femme Fatale”, “All Tomorrow’s Parties” e “I’ll Be Your Mirror”. O álbum tornou-se um marco universal e a voz gélida da alemã, a que se juntava um estranho sotaque, tornou-se conhecida globalmente.

Em paralelo, teve relações amorosas com grandes figuras do mundo da música, como Bob Dylan (que lhe escreveu a música “I’ll Keep It With Mine”), Jim Morrison (que a incentivou a compor a sua própria música), Brian Jones, Leonard Cohen, Tim Buckley e Iggy Pop, entre outros. Teve ainda uma breve ligação com Alan Delon, de quem engravidou e teve um filho, chamado Ari, que Delon nunca reconheceu – o que resultou numa enorme mágoa para a cantora, até ao fim da sua vida.

Após a ligação aos Velvets, editou o seu primeiro álbum em nome próprio, Chelsea Girl (1967). Seguindo o conselho de Morrison, Nico aprendeu a tocar um instrumento (o harmónio) e começou a compor temas originais. Com estas premissas, em 1970 editou The Marble Index, a sua verdadeira estreia musical, com música completamente original, onde teve o apoio do ex-colega John Cale na produção (que continuaria a produzir os álbuns seguintes da cantora). O disco seguinte, Desertshore (1970), que talvez seja o pináculo criativo, inclui canções memoráveis como “Mütterlein”, “Janitor of Lunacy” ou “Afraid” (uma das mais belas, onde a autora da biografia foi buscar a frase para o título: “you are beautiful and you are alone”). Seguiu-se The End (1973), que incluiu uma revisitação do famoso tema dos The Doors.

Pelo meio, desenvolveu uma ligação com o realizador francês Philippe Garrel e, de 1970 até 1979, participou em sete filmes. Após um longo interregno discográfico, voltou a gravar na década de ’80: Drama of Exile (1981, publicado em duas edições diferentes, por conflito com o produtor) e Camera Obscura (1985). Viveu esta fase final da vida em Manchester, onde fez ligações com a cena musical local e, na fase final da sua vida, conseguiu deixar a heroína. Morreu aos 49 anos, em Ibiza, com uma hemorragia cerebral.

Esta biografia, editada em Julho de 2021, disponível apenas em inglês, é um trabalho completíssimo (400 páginas + 100 páginas de notas) que inclui excertos de mais de 100 entrevistas inéditas e não trata apenas de referir e enumerar situações e momentos, do percurso e da vida pessoal, como os contextualiza e os faz acompanhar por testemunhos daqueles que a acompanharam. A leitura, fácil e interessante, resulta num retrato surpreendentemente completo.

Este novo livro permite repensar e reavaliar a dimensão de Nico. Uma mulher com uma visão artística muito especial que, apesar de todas as dificuldades, conseguiu construir um legado artístico notável, entre o cinema e a música – que começou na folk mas evoluiu para uma música experimental originalíssima. Esta obra obriga-nos a olhar com atenção para esta mulher – nascida Christa Päffgen, imortalizada Nico – que foi um fenómeno.


Em complemento ao livro, aqui fica uma playlist Spotify, que pode funcionar como apresentação da obra musical de Nico.