Ao vivo: Mano a Mano @ Teatro Villaret, Lisboa 

Assinalando o lançamento do seu mais recente registo, O Disco de Natal, o duo Mano a Mano apresentou-se ao vivo no Teatro Villaret, em Lisboa, a 17 de dezembro. O projecto de André Santos e Bruno Santos, dois irmãos guitarristas madeirenses, chega ao quarto disco com um conjunto de canções de Natal interpretadas com duas guitarras, com arranjos originais jazzísticos.

Em plena época de pandemia o Villaret acolheu um espectáculo raro. André e Bruno Santos abriram o concerto com “I’ll be home for Christmas”, com as duas guitarras unidas, exibindo o método de trabalho da dupla. Guitarristas virtuosos, cada tem com a sua personalidade musical bem definida (ouça-se Caixa de Música de Bruno e Vitamina D de André, para perceber as diferenças), mas neste projecto os irmãos navegam para o mesmo lado: desdobram os temas, vão à raíz de cada composição e refazem-na sem abdicar do eixo melódico. As guitarras entrelaçam-se, o protagonismo é alternado.  

Seguiram-se temas como “This Christmas”, “Santa Claus Is Coming to Town” e “White Christmas”, este num solo de Bruno Santos, que continuou em “Jingle Bells”, já em duo. Além dos clássicos americanos, o duo foi buscar dois tradicionais madeirenses e acrescentou dois originais (destaque para o “Blues Para o Pai Natal” assinado por Bruno Santos). Para lá das guitarras, a dupla serviu-se ainda de cordofones tradicionais da Madeira (braguinha e rajão) e do banjo, em alguns dos temas. Pelo alinhamento – do concerto e do disco – passam ainda temas obrigatórios da época, como “Have Yourself a Merry Little Christmas”, “Silent Night” e “We Wish You a Merry Christmas”. No final o público aplaudiu, numa ovação entusiasmada.

O mundo precisava de mais um disco de Natal? Talvez não, mas música original nunca é demais, é sempre bem-vinda. A dulpa madeirense não se limita a reinterpretar clássicos, trata de dar novas roupagens a temas intemporais, acrescentado-lhes a sua personalidade musical. Esqueçamos o preconceito, deixemos de lado as dúvidas: a abordagem original da dupla justifica plenamente a existência deste disco. A todos um bom disco de Natal!

Pedro Melo Alves lança álbum a solo

O baterista e compositor Pedro Melo Alves lançou um novo álbum, Zero of Form. Melo Alves, que já tinha editado este ano o registo do projecto In Igma, via Clean Feed, apresenta agora um outro universo musical: um disco de bateria solo, numa aproximação solitária ao seu instrumento-raíz, a bateria. O baterista assume: “Enquanto consolidação do meu percurso enquanto instrumentista, este disco é um marco importante. Reúne as experiências ricas que tive no encontro com músicos preciosos, nos últimos anos.” Este disco é um verdadeiro resultado do confinamento pandémico, tendo sido gravado por Pedro Melo Alves no Porto, em Abril de 2020: “quando finalmente tive tempo para parar, reflectir sobre o material que tinha em mãos, explorá-lo, gravá-lo, filmá-lo e editá-lo”. O disco Zero of Form é uma edição de autor e pode ser ouvido e adquirido na página Bandcamp

Ao vivo: A Voice for Freedom @ Theatro Circo

O Theatro Circo, em Braga, acolheu no dia 11 de Dezembro o espectáculo A Voice for Freedom, protagonizado pela cantora Sara Miguel. O espectáculo nasceu de um convite que a Associação Angrajazz lançou à cantora, para assinalar o Dia Internacional do Jazz, e Sara Miguel criou um espectáculo de homenagem à lendária Nina Simone (1933-2003), particularmente focado na sua faceta activista.

Nascida no Porto e licenciada em Canto Jazz na ESMAE, Sara Miguel lançou em 2012 o seu disco de estreia, Monção, gravado em quarteto. Em 2014 mudou-se para os Açores, tendo vivido na Ilha Terceira e reside actualmente no Pico. Colaborou com a Orquestra Angrajazz, tendo actuado no festival de jazz de Angra do Heroísmo por diversas ocasiões. Em 2018 editou o disco de estreia do Bruma Project, onde propõe uma revisitação jazzística de temas açorianos, integra o trio Mar&Ilha (com Jorge “Canarinho” Silva e Marcos Fernandez) e o duo Blackbird, em parceria com o guitarrista João Belchior, que editou no início deste 2020 o seu EP de estreia (Becoming).

Perante uma plateia muito bem composta (tendo em conta as limitações da pandemia), a cantora fez-se acompanhar em Braga por um verdadeiro grupo all-star, reunindo alguns dos melhores músicos nacionais da cena jazz: João Mortágua (saxofone alto), Javier Pereiro (trompete), Gonçalo Moreira (piano), Michael Ross (contrabaixo) e Mário Costa (bateria). A música seria complementada com a projecção de imagens, da responsabilidade de Edmundo Díaz Sotelo e Eddie Oleque.

O espectáculo abriu com a interpretação de “To be young, gifted and black”, um dos temas mais conhecidos de Simone. A banda segura, a voz sólida. Desde logo, nota-se a evidente diferença nos registos vocais da homenageada e da homenagem – o que não é nenhum problema, porque isto não é um concurso de imitação, é um assumido tributo com personalidade. Após a entrada enérgica, o ritmo abranda com a abaladada “Lilac wine” (também popularizada por Jeff Buckley, que a levou a outros públicos). Segue-se “Be my husband” numa versão despida, apenas a voz a capella e palmas em fundo, na marcação do tempo. Com “Ain’t got no, I got life”, a banda volta com toda a pujança: contrabaixo e bateria na estabilidade rítmica, piano nas pinceladas harmónicas, e os sopros, saxofone e trompete, expressivos nos sublinhados melódicos.

A cantora contextualiza, dá informações sobre a vida de Nina Simone, sobre o seu envolvimento no movimento dos direitos civis, sobre o racismo. E no alinhamento seguem-se temas onde a mensagem é mais explícita. “Strange fruit” é um dos temas mais emblemáticos do seu cancioneiro, tendo sido também gravado por Billie Holiday, e aborda explicitamente o linchamento de negros. Além da qualidade vocal e do sentimento da canção, as imagens projectadas de homens negros mortos pendurados em árvores (“estranhos frutos”) amplificam a sensação de choque que já está presente na música. Seguem-se outros temas intensos: “Work song”, “Four women”, “Mississippi goddam” (outro momento mais marcante) e “Backlash blues”. Sempre em crescendo.

A interpretação vocal é irrepreensível, com Sara Miguel a assumir a sua personalidade musical cada vez mais à vontade, à medida que o espectáculo avança, brilhando particularmente nos momentos de mais energia. A banda exibe eficácia e, além do acompanhamento, sabe acrescentar qualidade nos momentos a solo – notáveis os solos de João Mortágua no saxofone e Javier Pereiro no trompete. Para o encerramento ficou reservada “I wish I knew how it would feel to be free”, que conquistou definitivamente o público, até cantou. A plateia despediu-se com uma ovação em pé, entusiasmada e merecida. A cantora e a banda regressaram para o encore, primeiro com “Everything must change” (apenas piano e voz) e a despedida final chegou com “Feeling Good” (nova ovação.)

Neste espectáculo a voz de Sara Miguel exibiu ao vivo a sua enorme qualidade e amplitude, adaptada à especificidade da homenagem. A riqueza e potencial vocal de Sara Miguel têm sido expostos em diferentes contextos, particularmente no seu projecto de originais Blackbird. Depois do sucesso desta homenagem, que merece ser levada a muitas mais cidades portuguesas, ficamos a aguardar novos projectos, que também não esqueçam a ligação ao jazz.

No final do espectáculo, entre o burburinho da saída, uma figura ligada à cena jazz confessava: “gostei muito, mas houve muito proselitismo…” Num espectáculo sobre a faceta activista da lendária cantora, numa época em que racismo está na ordem do dia, neste momento em que as sombras do fascismo se aproximam sem vergonha, a evangelização seria inevitável. Aliás, quando se trata de direitos humanos e igualdade, a evangelização nunca é demais. Quando a música se pode associar e ajudar a difundir a mensagem, ficamos todos a ganhar. Que aí venham mais vozes pela liberdade.

Aqui está a nova Revista Mamute

Acaba de sair a nova revista literária Mamute e, a convite do editor Gonçalo Mira, escrevi um longo ensaio pessoal sobre a minha experiência como utilizador de bicicleta em contexto urbano: Os patos aparecem naturalmente – histórias de um ciclista na cidade. Nunca pensei ter tanta coisa a dizer sobre o assunto, mas acabei por encher umas 30 páginas a falar sobre bicicletas, sobretudo as dificuldades, desafios e conquistas de quem a utiliza como meio de transporte. Quem tenha curiosidade pode encomendar aqui:
revistamamute.pt/loja/p/mamute-n1

Luís Lopes actua a solo na ZDB

O guitarrista Luís Lopes vai apresentar-se ao vivo na Galeria ZDB, em Lisboa, num raro concerto a solo de guitarra acústica de cordas de nylon. O guitarrista apresenta assim a sua proposta, Emmentes:

Esta mostra de(sta) peça(s) que apresento, ou se apresentam, agora, são resultado desta quotidianidade de recolhimento. Quis emmentes edificar composição ou em grande parte arrumar ideias já trabalhadas anteriormente, gravadas até. Aproveito, então, para me entregar pela primeira vez à guitarra acústica de cordas de nylon, mais conhecida como guitarra clássica, depois de contacto superficial durante a adolescência, com reservas e/ou dúvidas se sou essa pessoa que por “ali” existia, se é que era, se sou, se não sou, ou se o ser existe, e se vale a pena. Evoco então ideias de composição, harmonização, recursos técnicos, e outras instituições, interiorizadas algures, por vezes complexo, por vezes simples, não tenho a certeza se assim é. Erro sem destino por caminhos próprios, sisma rumo ao Lugar perseguido, solidão eminente talvez. Alguma coisa por milagre ou simplesmente por um acaso fica. “O” contacto que me lembro! Tenho comigo, ataca-me, que sigo e seguirei sempre, independente da razão ou razões, um certo caminho que aponta talvez sensatamente para o “meu” caminho, “este meu” sonho ou simplesmente visões os flashes que ecoam de mim para mim ou para outros, enfim, a poesia desse fenómeno que é o que me fascina e obriga, em conformidade, claro, com o (mundo) que observo/sinto e/ou me restringe, pois a ‘verdade” é um todo, aprendi! Vulgarizando: uma só resposta perante qualquer acto ou fenómeno é uma afronta. Tudo é dificílimo e uma desgraça… E uma violência. Porém: Antes morrer do que violentar! Tudo deambulações lado a lado com o medo da não morte. E é isso que vai soar! Em suma: solo de composição escrita com guitarra acústica de cordas nylon.

O concerto terá lugar no dia 16 de Dezembro, quarta-feira, às 19h00, e a entrada custa 5€. Aqui fica uma amostra do que aí vem.

Livro: “Festa do Jazz”

Durante a 18ª edição da Festa do Jazz, que este ano se realizou no mês de Setembro, foi apresentado o livro Festa do Jazz. Este livro conta a história da Festa do Jazz e traça o perfil de alguns dos intervenientes da festa e do jazz português – inclui perfis de músicos como Susana Santos Silva, João Barradas, João Pedro Brandão, Ricardo Toscano, Sara Serpa, Pedro Melo Alves e João Mortágua. O livro conta com textos de José Dias (investigador e guitarrista) e Gonçalo Frota (jornalista do Público), além de um texto introdutório da autoria de Carlos Martins, presidente da Associação Sons da Lusofonia – a entidade que promove a Festa do Jazz. O livro conta ainda com ilustrações de Travassos, autor das capas dos discos da editora Clean Feed, que aqui assina também a belíssima ilustração da capa do livro.