Susana China apresenta “Ponto de Fuga”

Cantora natural de Coimbra, Susana China lançou em 2018 o seu disco de estreia, Trapézio, onde se revelou como cantora e compositora. Agora, a cantora acaba de editar um novo trabalho, Ponto de Fuga, dando mais um passo em frente na sua evolução artística. Numa pequena entrevista, Susana China apresenta este novo disco.

Porquê o título Ponto de Fuga?
A escolha do nome deste álbum surge, desde logo, com objectivo de criar várias possibilidades de interpretação a quem ouve… Por ser um álbum que aborda temas e histórias de cariz intimista e de emoções de pessoas, este trabalho posiciona essas mesmas emoções em perspectiva… e pode ser a de qualquer um… e pode, até, permitir uma fuga através das canções. E naturalmente transportar este conceito também para a uma interpretação e concepção visual, confere coerência e unidade ao trabalho e acredito que reforça a sua compreensão. E aqui tenho que salientar o trabalho de design da Mariana Seiça que está comigo desde o início do Trapézio e agora neste Ponto de Fuga. Ela tem sido fundamental para que os álbuns tenham, de facto, um design tão bonito!

Como decorreu o processo de composição destes novos temas?
O meu processo de composição é sempre solitário. Não consigo partilhar nenhuma ideia ou conceito (mesmo que seja um trabalho conjunto), sem que essa ideia não esteja minimamente segura na minha cabeça. Tenho que ter uma estrutura daquilo que quero dizer e cantar. Só depois desta fase é que consigo partilhar. E foi neste contexto que foi surgindo o Ponto de Fuga. O Guilherme foi ouvindo as minhas ideias e naturalmente foi acrescentando com as suas. Todo o álbum nasce da voz e da guitarra. Até o tema “Deixa ficar”, que tem o arranjo de cordas do Buga Lopes, inicialmente, passou por essa fase. Se tivermos que nos apresentar só a voz e guitarra, isso vai acontecer; mas esse não é o álbum que gravámos. É a raiz desse trabalho e pode também ser encarado como uma nova forma de o disco se transfigurar e voltar à sua fase mais embrionária e crua… ou de alguma forma voltar a ser mais intimista e/ou até reinventar-se.

Quais são as características comuns dos temas deste novo disco?
Este álbum tem algumas características (bastante evidentes para nós) que lhe conferem unidade. Quisemos que todos os temas tivessem uma forma mais definida, em que o formato canção estivesse, claramente, presente. E cada uma das canções, quase obrigatoriamente, por inerência também da palavra, leva-nos a observar e reconhecer emoções e comportamentos muito humanos… Quando o álbum saiu do estúdio, foi o “documento” que quisemos apresentar. Obviamente, em concerto, estes formatos são acrescentados por todos nós que estamos em palco. Em palco há outra energia; há a necessidade de criar comunicação quer entre nós, quer com o público. E surge naturalmente a linguagem da improvisação, que vem da formação de cada um dos músicos… claramente faz parte do nosso ADN, e tem um lugar privilegiado nos nossos concertos.

O disco foi desenvolvido em parceria com o guitarrista Guilherme Pinto. Como nasceu esta parceria?
Esta pareceria não se iniciou neste álbum; já trabalhamos juntos há alguns anos. Começámos por fazer uns gigs sem grande compromisso; creio que depois disto foi um percurso normal…e percebemos que gostamos de trabalhar em conjunto. No álbum anterior, os arranjos foram partilhados por mim e por ele. E quando decidi compor um segundo álbum, foi muito natural propor esta parceria na composição, logo desde o início. Creio que isso foi fundamental para que o processo de trabalho tenha sido muito fluído.

Neste disco, além do referido Guilherme Pinto, participam os músicos Gonçalo Moreira no piano, Guilherme Melo na bateria, Carlos Garrote no baixo eléctrico e contrabaixo e Paulo Bernardino no clarinete. Porque escolheu trabalhar com estes músicos?
Conheço e trabalho com o Gonçalo Moreira há alguns anos e gosto muito da sua forma de tocar. Ele também participou no álbum anterior, e na minha música especificamente, consegue fazer sempre a abordagem que os temas necessitam; ora mais subtil ora mais presente, o piano do Gonçalo “escolhe” sempre o lugar certo. O Guilherme Melo é outro músico que já fez parte da equipa do Trapézio, e que eu conheço desde a sua adolescência, e que vi crescer como pessoa e músico. Sabe, muito bem, estar presente de forma criativa, assertiva e até muito divertida e jovial. O Carlos Garrote é um músico com uma sensibilidade muito à flor da pele… (e que não me deixa acomodar). Foi muito bom e muito motivador trabalhar com ele! Apesar de também o conhecer há alguns anos nunca tínhamos trabalhado juntos e foi “quase” uma surpresa verificar que gosto tanto de o ter a tocar a minha música. O Paulo Bernardino eu não conhecia; contudo, tanto eu como o Guilherme sempre soubemos que gostaríamos de ouvir um sopro… e por interferência de amigos comuns, descobrimos o Paulo e a sua forma de tocar! Gostámos muito e perguntámos-lhe se ele gostaria de gravar connosco, ele aceitou e foi muito bom e muito fácil trabalhar com ele.

Planos para os próximos tempos?
Planos para os próximos tempos serão os de continuar a compor; para mim e para outros. Existem vários projectos nos quais também estou envolvida e a que também tenho que entregar algum do meu tempo. Além de estar a desenvolver, já há algum tempo um outro projecto que não sendo um musical (em termos formais) junta a música, ao vídeo e ao teatro. Relativamente ao álbum, nos próximos tempos gostaríamos de apresentar o Ponto de Fuga em salas bonitas. O nosso espectáculo é intimista, mas, tem uma dinâmica cénica que faz a ligação com o booklet do álbum e que cria um ambiente de proximidade para com quem nos vai ver e ouvir. E isso, creio que realça e dignifica o trabalho de quem faz e o prazer de quem vê e ouve.

Como vê o panorama da cena musical portuguesa, com o surgimento e afirmação de jovens valores?
Creio que o panorama da cena musical portuguesa está muito bem! Colectivamente, estamos mais conscientes do nosso valor musical e isso é bastante evidente. Há muita gente a compor, tocar e a cantar bem. Também tem contribuído para isso o facto de haver mais e melhor ensino; isso faz com que o nível geral seja melhor. E é também muito interessante e enriquecedor que os músicos (jovens ou menos jovens) dos mais variados quadrantes se “misturem” entre si… creio que isso valoriza em muito a nossa cultura musical; não só em Portugal como também no estrangeiro. A afirmação, é o percurso natural de quem tem consciência daquilo que se sente capacitado para executar. E quando essa execução é acrescentada também pela capacidade amadurecida de interpretação, então aí sim o nível eleva-se… e consequentemente a afirmação surge naturalmente.