Nasceu na Venezuela, passou por Portugal e vive na Holanda. Alex Figueira é mentor dos Fumaça Preta, banda de rock psicadélico que tem conquistado o mundo e já actuou em Portugal (FMM Sines, Milhões de Festa, ZDB, Musicbox…). Em paralelo, Figueira lidera o Conjunto Papa Upa, onde trabalha uma exploração moderna da tradição polirrítmica venezuelana. Agora, acaba de editar o primeiro single em nome próprio, em regime afro-funk: “Platanito / Guacuco”. Lançámos-lhe o desafio: escolher 3 discos de jazz. A resposta do Alex não se limitou à escolha e à sua justificação, também explica a sua relação pessoal com o jazz. Obrigado, Alex!
Charles Mingus – “Blues and Roots”
(Atlantic, 1960)
“O disco que mudou o jogo para mim. Antes de o conhecer, tinha uma relação meio forçada com o jazz. Respeitava-o, mas não gostava dele. Vários dos meus músicos favoritos tinham passado ou eram fortemente influenciados por ele. Era óbvio que grande parte dos meus discos mais adorados não teriam nunca chegado a existir sem ele ter existido primeiro. Por essas razões, parecia-me que não fazia sentido eu gostar de soul, funk, rhythm and blues ou ska jamaicano e não gostar ao mesmo tempo de jazz. Procurei entender a raiz dessa discrepância, mas dava sempre de caras com os discos errados. Neles encontrava os mesmos elementos que ainda hoje me afastam da grande maioria do jazz que por aí se faz: complexidade rítmica e harmónica desnecessária, sofisticação em excesso, falta de garra e demasiada limpeza nas gravações. Toda essa imagem de intelectualismo chato de café que eu tinha associado ao jazz ardeu definitivamente com este disco. Foi o início da minha paixão pelo jazz que eu sabia intrinsecamente que devia existir mas que até aquele momento não tinha encontrado: um jazz que consegue ser explosivo sem deixar de ser delicado. Um jazz conceptualmente mais perto do punk do que do easy listening. O jazz das putas e dos chulos, dos traficantes de droga e das sirenes às 4 da manhã que se estuda hoje nos conservatórios. A musicalidade feroz de Mingus fica plasmada nesta obra prima recheada de tesão sem perder nunca a delicadeza.”
Yusef Lateef – “Eastern Sounds”
(Prestige, 1962)
“Quando gosto de um assunto, a minha curiosidade obsessiva obriga-me a investigar até ao fundo. Porém, na eterna busca por aquele jazz mais “profundo” e visceral (que facilmente encontrei noutros discos do Mingus e de vários outros génios), fui inevitavelmente parar à margem mais intrinsecamente internacionalista e exploratória do género, quando músicos salientes se viraram para África e para Ásia procurando expandir os horizontes na altura vigentes. Desse grande momento surgiram incontáveis discos maravilhosos e escolho este em particular pela profunda marca que em mim deixou. Foi em casa do meu amigo Edo Bouman, que viria mais tarde a ser o meu parceiro na loja de discos Vintage Voudou [em Amesterdão], que ouvi por primeira vez “The Plum Blossom”. Foi um momento comovente, que despertou em mim uma emoção muito forte. A noção de uma música que podia ser tão frágil, simples e despretensiosa mas cuja beleza se impunha inquestionável, com tamanha grandiosidade, cativou-me enormemente. Só alguém com uma inspiração e uma sensibilidade excepcionais pode chegar a escrever uma coisa deste tamanho. Obra de um verdadeiro gigante. Cabe referir que essa mesma sensação tem sido assiduamente revisitada nas incontáveis vezes que o disco tem tocado lá em casa desde aquele primeiro encontro.”
Batsumi – “Batsumi”
(R&T, 1974)
“Continuando o infindável percurso de busca cheguei a um ponto de inflexão onde me parecia que a tal raiz africana do jazz de que toda a gente falava não chegava a marcar presença suficiente na discografia do género. Inclusive em muitos dos discos de jazz feitos em África por músicos africanos, sentia falta de uma maior reivindicação musical partindo da africanidade e passei muito tempo à procura, pois julgava impossível que ninguém tivesse sentido essa inevitável necessidade num género tão disseminado e influenciador. A minha frustração transformou-se numa imensa felicidade no dia que me deparei com este disco maravilhoso. Foi um desses momentos – que tenho a certeza qualquer melómano já experimentou várias vezes – onde o disco que andávamos a imaginar que existia parece que foi mandado fazer por encargo, só para nós. Uma sensação que me faz sentir vivo como poucas outras. Vários outros discos apareceram depois deste com amplamente marcada africanidade, mas poucos chegam a ter o nível de profundidade espiritual (para chamar de alguma maneira), inspiração melódica e aquela raríssima combinação de virtuosismo e simplicidade em perfeitas proporções, atingida por estes músicos sul-africanos nesta gravação. Um disco que arrepia cada vez que se ouve.”