Conferência Europeia de Jazz: oportunidade para a mudança

A Conferência Europeia de Jazz, uma iniciativa promovida anualmente pela Europe Jazz Network, realizou-se este ano em Lisboa. O evento decorreu entre os dias 13 e 15 de Setembro e apresentou-se como uma excelente oportunidade para dar visibilidade ao jazz português, particularmente à nova geração de músicos que se tem afirmado nos últimos anos. A conferência começou por abrir candidaturas para “showcases” de músicos nacionais, tendo sido selecionados os projectos Impermanence de Susana Santos Silva, Bode Wilson, Axes de João Mortágua, Pedro Melo Alves’ Omniae Ensemble, Quarteto Beatriz Nunes e TGB. Estes músicos apresentaram-se ao vivo no Centro Cultural de Belém, incluídos no programa oficial do evento.

O concerto de inauguração, que teve lugar no CCB, apresentou a Orquestra Jazz de Matosinhos, a nossa big-band estrela, acompanhada por quatro músicos convidados, quatro reconhecidos talentos da cena nacional: Maria João, João Paulo Esteves da Silva, João Mortágua e João Barradas. O CCB acolheu ainda os concertos de Espen Eriksen Trio com Andy Sheppard e Bugge Wesseltoft’s New Conception of Jazz. Além destes, a conferência associou-se a um programa lateral de concertos interessante, onde se juntaram músicos originais de estéticas diversas, como Mário Costa (a apresentar o disco “Oxy Patina” no Capitólio), Eduardo Cardinho Trio, LUME, Rodrigo Amado Trio e André Fernandes’ Centauri (na Ler Devagar), além de outros espectáculos no Hot Clube de Portugal e no OutJazz.

Um dos painéis que mais prometia, e que acabou por se confirmar bastante interessante, era focado no tema “o jazz português no contexto europeu”. A mesa reuniu Rui Eduardo Paes (critico, editor da Jazz.pt e programador), Pedro Cravinho (investigador), Beatriz Nunes (cantora), Pedro Guedes (director da Orquestra Jazz de Matosinhos) e Pedro Costa (Clean Feed). Além de um enquadramento histórico, foram abordadas as dificuldades de internacionalização dos músicos nacionais. Contudo, o debate acabou por ficar mais aceso surgiu já perto do final, afastando-se da direcção inicial (o contexto europeu) e lançando um questionamento interno: Portugal é ou não é um país que integra bem os imigrantes, particularmente os das ex-colónias? Então porque motivo não há músicos de jazz negros em Portugal? Mais do que apresentar respostas, este painel levantou questões que estavam escondidas debaixo do tapete, importantes para a auto-crítica. E só depois de conseguirmos olhar para dentro, e de nos conhecermos melhor, poderemos ambicionar chegar mais longe.

Outro dos momentos mais interessantes da conferência foi a divulgação de um manifesto sobre o equilíbrio de género no jazz e na música criativa, com o objectivo de promover a programação de mais mulheres nos festivais. O manifesto surge na sequência da carta-aberta “We Have Voice” e num momento em que o feminismo voltou a fazer cada vez mais sentido. Este manifesto é de uma enorme actualidade e encontrou na audiência da conferência o público certo, uma vez que a Europe Jazz Network engloba quase todos os festivais e salas dedicadas a programar jazz. Foi também o local perfeito para o apelo do jornalista irlandês Ian Patterson, do site All About Jazz, que sugeriu a aposta em programações com propostas mais arriscadas. No âmbito da conferência foi ainda apresentado o livro “The History of European Jazz – The Music, Musicians and Audiences in Context”, sobre a história do jazz europeu e com capítulos dedicados às cenas nacionais, onde se inclui um capítulo sobre o jazz em Portugal.

A organização esteve óptima, à partida podemos concluir que a iniciativa resultou num sucesso. Contudo, só no futuro poderemos saber se esta oportunidade foi realmente bem aproveitada. Os músicos portugueses conseguiram mostrar-se para que a sua música seja levada para novas latitudes? Foram aproveitadas redes de contactos e networking? Os festivais e as salas estão abertos a apostar em programações mais inclusivas? E os programadores estarão abertos a promover propostas musicais mais  arriscadas? Só o futuro o poderá confirmar, mas ficou aberta a oportunidade para a mudança.