Entrevista: Maria da Rocha

Nascida em 1984, Maria da Rocha é uma violinista e violetista com sólida formação clássica. Colaborou com várias orquestras e ensembles, incluindo a Orquestra Gulbenkian, a Orquestra das Beiras e a Orquestra XXI, entre várias apresentações nacionais e internacionais. Em simultâneo, tem-se aproximado das músicas exploratórias, nas áreas da electroacústica e da improvisação, e em 2015 publicou o álbum “Pink”, em duo com Maria W. Horn, editado pela Creative Sources. Agora, apresenta o disco de estreia a solo, “Beetroot and Other Stories”, editado pela Shhpuma Records, onde revela uma outra faceta, com o violino acompanhado por electrónica. Antecipando a sua actuação no Festival Rescaldo, Maria da Rocha apresenta-se.

 

Como começaste a tocar?

Comecei a tocar com sete anos. Desde que me conheço que canto e toco, porque não gostava de me sentir sozinha e a música trazia-me muita companhia. Costumava passar todo o tempo a cantar e a dançar. Os meus brinquedos preferidos eram um acordeão Chicco, um piano-xilofone e uma guitarra portuguesa de plástico que me acompanhava nas cantorias. A minha mãe ofereceu-me mais tarde um gravador de cassetes para gravar as músicas, pois o que mais gostava de fazer era cantar para ela enquanto dormia. Por isso, sugeriu que gravasse as músicas e lhe mostrasse mais tarde (para poder descansar um pouco, suponho!). Eu punha as bonecas a ouvir, gravava e depois mostrava as novas composições quando a minha mãe acordava. Outra razão pela qual gostava de fazer música e dançar era que, assim, não teria de arrumar brinquedos e tocava durante muitas horas, tendo de arrumar um só objecto de volta. Assim que foi possível, fui estudar música. Queria harpa, não havia. Queria piano, não havia vaga. Deram-me a escolher entre violino, viola e flauta. Flauta estava fora de questão, não gostava do som. Não me decidia entre a viola e o violino, mas disseram-me para escolher violino pois sempre poderia tocar viola mais tarde. E assim foi. Estudei violino desde os 7 e mais tarde também me formei em viola d’arco.

Quais foram os momentos e professores mais marcantes no teu percurso e evolução?

A professora mais marcante em violino foi, sem dúvida, Leonor de Souza Prado, porque foi graças a ela que segui a minha carreira musical em violino. Barbara Friedhoff em viola, porque foi muito humana e deu-me muita força e incentivo. Em Berlim tive um professor de composição interdisciplinar (música-teatro experimental) que também me marcou muito, Daniel Ott, porque me mostrou que o meu sonho de compor em diversas artes era possível e me deu ferramentas para o fazer, através de “workshops” com diversos artistas e possibilidades de apresentação. O violetista Friedemann Weigle, do Quarteto Artemis, também​ me marcou muito, porque me demonstrou que era possível fazer uma carreira fora da orquestra, investindo na criatividade e na identidade com qualidade musical intensa unidas à tradição e à narrativa musical.

Quais foram discos que mais te marcaram? Poderias dizer quais são os três discos da tua vida? 

Um deles será “Stéphane Grappelli Plays Cole Porter”. Foi um disco que me mostrou como é possível o violino transcender-se em outras linguagens musicais fora do clássico, com um som, uma verdade, um timbre e uma linguagem muito genuínos. Mostrou-me como pode ser linda a improvisação no violino. Outro disco importante foi “O Melhor de Carlos Paredes”. Mostrou-me quão genuína pode ser a composição num instrumento com um timbre tão bonito, com tanta tradição, mas que pode transcender o fado a uma linguagem instrumental que “te fala”. E “Matteis: False Consonances of Melancholy” de Amandine Beyer. Mostrou-me quão intensa pode ser a improvisação no violino, ligada a uma tradição interpretativa e a uma qualidade tímbrica historicamente informada, com conhecimento da harmonia e uma narrativa subjacente muito forte. Para mim, é muito difícil escolher três discos da minha vida, porque sempre mudam consoante a época, o local e a fase da vida em que me encontro. No entanto, o que estes três discos têm em comum é o perfeito domínio de uma linguagem musical que permite “falar música”, cada um com o seu estilo musical. Não sei se encontrei nas músicas experimental, contemporânea ou electrónica um exemplo de disco em que tenha sentido isso tão intensamente. “Sonata for Solo Viola” de György Ligeti, “Chaconne” de Bach, assim como várias obras de Morton Feldman, marcaram-me também bastante.

Como te interessaste pela música exploratória, particularmente pela electrónica? 

Sempre me interessei pela criação musical e pela música contemporânea e em experimentar peças de compositores com técnicas extensivas. Depois de tocar vários anos música contemporânea com novas harmonias e técnicas extensivas no instrumento, ganhei um vocabulário musical. Digamos que desde que comecei a estudar música, aos 4 anos, achei estranho não nos ensinarem nem a compor nem a improvisar, que era exactamente aquilo que fazia sozinha em casa todo o tempo. Aos 14 anos comecei a explorar a improvisação noutras linguagens musicais e a minha primeira experiência foi com um grupo que se chamava Selenite Lights. Tocámos no Teatro da Comuna. Encontrava-me regularmente com Pedro Gomes na guitarra com efeitos e improvisávamos durante imenso tempo. Fui violinista de uma banda de música do mundo (Dazkarieh, chegámos a gravar um disco), com a qual criava as minhas melodias em conjunto com outros elementos, informada de diversos estilos musicais para além do clássico. A música electrónica foi-me apresentada através de obras de João Pedro Oliveira, que toquei em orquestra e gostei muito. Nos Dias da Música Electroacústica conheci obras puramente electroacústicas de João Pedro Oliveira que me sensibilizaram. Quis explorar mais essa linguagem e fui à procura dela em Berlim. Tive vários professores e fui a muitos concertos ao vivo. Colaborei com diversos músicos electrónicos até, por fim, gravar um disco com Maria W. Horn, com quem senti uma especial empatia.

Entrevista completa no site Jazz.pt:
https://jazz.pt/entrevista/2018/02/06/falar-musica/