Para a sua 15ª edição o Portalegre Jazzfest apresentou ao longo de três noites um leque de propostas esteticamente diversas: um duo americano, um trio europeu e três projectos portugueses que reflectem a actual vitalidade da cena nacional.
O festival arrancou no dia 26 de Abril com a actuação dos Angles 3 no CAEP – Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre. Projecto-âncora do saxofonista sueco Martin Küchen, os Angles assumem habitualmente formatos alargados – sexteto, octeto ou noneto, respectivamente designados Angles 6, 8 e 9 – mas esta versão reduzida conta com dois músicos convidados que não tocam habitualmente nas versões alargadas: o norueguês Ingebrit Håker Flaten no contrabaixo e o sueco Kjell Nordeson na bateria (também notável vibrafonista, noutros contextos). Trazendo na bagagem um disco novo, com o título “Parede”, o trio apresentou ao vivo os temas desse disco acabado de editar pela portuguesa Clean Feed. O grupo começa por expor as melodias com tranquilidade, repetindo os motivos, para a música depois evoluir rapidamente em crescendos de energia, assumindo a sua filiação no free jazz. Perante uma sala com muitos lugares vazios, o trio exibiu a sua competência e alta intensidade. Para fechar o concerto ficou o tema “Satan in Plain Clothes” (faz parte do disco dos Angles 3 e dá também nome a um disco do quinteto All Included, outro projecto paralelo de Küchen). O trio nórdico voltou a tocar no dia seguinte, na extensão do festival em Castelo de Vide, nos Paços do Concelho, num concerto mais concentrado e intimista, mas com a mesma energia e intensidade.
O quarteto In Layers prepara-se para gravar o seu segundo disco e promove uma tour que passará por várias salas nacionais. O grupo junta Luís Vicente (trompete), Marcelo dos Reis (guitarra), Kristján Martinsson (piano) e Onno Govaert (bateria) e editou o primeiro disco, homónimo, pela editora inglesa FMR Records. O quarteto vai apresentar-se três noites em Lisboa (11 de Maio na Ler Devagar/LX Factory, 12 no Desterro e 13 no Bar Irreal), seguindo-se concertos nas Caldas da Rainha (16 no Grêmio Caldense) e Coimbra (17 no Salão Brazil).
No dia 3 de Maio a Galeria ZDB, em Lisboa, apresenta ao vivo o Lisbon Berlin Quartet, uma nova formação que junta o pianista Rodrigo Pinheiro ao trio de Luís Lopes, Robert Landfermann e Christian Lillinger. O guitarrista Luís Lopes, mentor do grupo, faz a sua apresentação.
O grupo Lisbon Berlin já existe há alguns anos como trio, já com um som definido e um percurso sólido. Como surgiu a ideia deste grupo?
O Lisbon Berlin Trio é um grupo peculiar na diversidade que constitui o Universo da minha mente como veículo ou canal transmissor de criatividade como sistema supra-humano. Viajo exactamente na linha de fronteira entre o controle e o descontrole da minha mente. Aí mesmo nessa linha infinitamente tenue. Daí o último disco do grupo se ter Chamado “The Line” e o primeiro tema “Vertigo”… Essa vertigem, ao limite, fascina-me! A organização composicional da música do grupo é toda constrida de acordo com este imaginário. Existem umas partes escritas que depois se misturam com a improvisação, sim, mas sob a fórmula de descontrole no sentido do caos… As diferentes vozes por vezes estão escritas com o entrosamento certo, mas pre-construídas para poderem moldar-se no sentido do descambe. É assim que eu gosto… Do caos… Onde perdes o controle por momentos, e isto individualmente no meio de um grupo, o que é uma loucura.. mas é esse o jogo! E penso que consegui no último disco, e nos últimos concertos, e que todos nós o sentimos. Por exemplo o tema “The Line” é uma composição escrita toda retalhada em que cada um sente como quiser ou puder e “tenta” alguma coisa no meio de um possível desespero. Agora temos novas composições para organizar neste sentido! Já alguma vez sentiste-te perder totalmente o controle em “ti”? O perigo… e a transcendência!
O grupo vai agora passar a quarteto com a inclusão do Rodrigo Pinheiro. Porquê convidar o Rodrigo para tocar piano eléctrico Fender Rhodes?
O Rodrigo vai trazer variadas coisas. Nomeadamente o elemento psicadélico, e também, claro, um certo adorno técnico. Eu já tinha ouvido o Rodrigo a tocar Rhodes quando trabalhámos juntos na sessão de gravação do disco dos Lisbon Freedom Unit, que vai sair em breve na Clean Feed. É um disco maravilhoso e abre portas para mais futuro. Apaixonou-me a forma como o Rodrigo usou o Rhodes com um pedal de distorção, aliás, sugestão minha. Agora para juntar à minha guitarra distorciva e com mais efeitos desta vez e também ao contrabaixo com distorção e efeitos do Robert, ao que se junta a bateria visceral do Christian. Uma máquina! O Rodrigo entende tudo o que aqui digo para além de ter uma técnica considerável, que bem usada vai trazer mais e melhor dinâmica e efervescência. Vai elevar e puxar mais pelo lado do músculo. É isso, sempre no sentido visceral, da desobediência e da transcendência, mesmo para connosco como indivíduos, produtos de uma máquina pré-comandada sabe-se lá pelo quê. Interessa-me o conceito da auto-subversão como porta de saída da redundância e mediocridade. Sou um ser espiritual e como tal não religioso. A religião reduz o espiritual a um “deus” não só aberrante como totalmente descartável, assim como tudo o que é humano. Tudo tiques de pequenês e fraca condição. Mas no entanto podemos e devemos reequacionar o que é “ser” humano, para assim abrirmos portas e possibilidades de futuro para a raça. Se não, venha logo uma inteligência artificial a sério que acabe com esta merda de uma vez por todas!
Quais são os planos para o quarteto?
Saímos de madrugada para concerto no Ausland em Berlin. No dia seguinte sessão de estúdio adjacente ao Ausland para registar o novo material em disco, objectivo principal para este grupo nesta altura. Depois veremos se o que temos para oferecer neste momento tem potencial para mais mostras e aventuras. É assim que eu funciono! Mas sim, a coisa promete… É um grupo monumental!
A Casa da Música volta a apresentar o seu ciclo de jazz primaveril. Entre os dias 3 e 6 de Maio realiza-se a sétima edição do Spring On!, que apresenta projectos desafiantes de jazz contemporâneo. O ciclo arranca no dia 3, quinta-feora, com o concerto do trio B-Mesmo; no dia 4, sexta, há concertos de Paisiel (duo de Julius Gabriel e João Pais Filipe) e Honest John (quinteto da Noruega); no sábado, dia 5, actuam Julius Gabriel (solo) e Heartbreakers; e o festival encerra no dia 6, domingo, com as actuações do italiano Enrico Zanisi (piano solo) e do projecto português Roque (quarteto do guitarrista João Roque).
O Hot Clube de Portugal apresentou a programação para o mês de Maio. Pela Praça da Alegria vão passar vários projectos nacionais e internacionais: George Colligan, Lynn Baker, Ricardo Pinto Quinteto, European New Quintet (com Perico Sambeat), Javier Subatin, Rick Margitza, César Cardoso e L.A. New Mainstream, entre outros. Neste mês há cinco jam sessions (dias 1, 8, 15, 22 e 29), organizadas pelo guitarrista Bruno Santos, com entrada livre.
No dia 4 de Maio o pianista Jason Moran actua com o seu trio The Bandwagon no Centro Cultural de Belém. A convite do CCB escrevi a folha de sala do concerto, que pode ser consultada aqui:
O saxofonista Rodrigo Amado vai apresentar um novo disco ao leme do seu quarteto internacional com Joe McPhee, Kent Kessler e Chris Corsano. O grupo que editou o álbum “This Is Our Language” (Not Two, 2015) vai agora editar o novo trabalho, que tem como título “A History of Nothing”, pela editora Trost Records. O disco será lançado oficialmente no dia 1 de Junho, mas já se pode ouvir um tema no bandcamp.
Entre os dias 29 de Abril e 5 de Maio realiza-se em Águeda o ciclo Pauta Jazz. Esta edição do ciclo celebra o Dia Internacional do Jazz, assinalado a 30 de Abril, e promove concertos do Septeto do Hot Clube de Portugal e da Orquestra de Jazz de Águeda com Miguel Calhaz. O ciclo promove também sessões de cinema, exposições, masterclass e oficinas.
O livro “As Serious As Your Life” de Val Wilmer acaba de ser reeditado. Aqui fica um texto sobre o livro, publicado originalmente na revista Mondo Bizarre em Abril de 2005.
Val Wilmer “As Serious As Your Life”
(Serpent’s Tail)
Dedicated to Ed Blackwell, Dollar Brand, Don Cherry and the late Jimmy Garrison, for a memorable night at Ornette’s when the music healed my New York blues. Esta é a dedicatória que introduz o leitor à aventura. E o leitor desatento que se previna pois, se não tiver cuidado, ao fim da leitura pode ter algumas dezenas de discos novos a forrar a casa, de artistas com nomes estranhos como Leroy Jenkins, Kalaparusha, Grachan Moncur III ou Sirone. “As Serious As Your Life” é um retrato completo da cena do free jazz, em Nova Iorque nas décadas de 1960 e 1970, que vai para além da música e dos músicos, fala das pessoas, das suas circunstâncias e das suas relações. Val Wilmer conta a grande odisseia do “free”, mas fá-lo com a marca de quem esteve lá, de quem conviveu de perto com as pessoas, de quem ouviu os músicos a tocar a partir da primeira fila. Ao longo de pouco mais de 250 páginas é apresentada uma biografia deste movimento musical, frequentemente designado de “New Black Music” – há ênfase na defesa orgulhosa da cultura negra. O especial (e óbvio) destaque vai para os pilares artísticos fundadores da revolução do jazz: John Coltrane, Cecil Taylor, Ornette Coleman, Sun Ra, Albert Ayler. E alonga-se noutros nomes basilares, mas aqui os bateristas ganham atenção especial em relação aos demais: Sunny Murray, Milford Graves, Andrew Cyrille, Rashied Ali são figuras presentes em múltiplos momentos. Repartida por dezasseis capítulos, esta obra analisa pormenorizadamente os elementos fundamentais desta música de criatividade efervescente: personagens, eventos, organizações e factores condicionantes à criação da arte (o mais citado e recorrente será a dificuldade de fazer da criação artística o modo de vida). A edição deste livro foi um passo marcante para a credibilização de um estilo musical que ao longo da sua história sempre foi desvalorizado, quando não foi mesmo ridicularizado. Mas, como sintetizou McCoy Tyner, o pianista do célebre quarteto de John Coltrane: “music is not a plaything – it’s as serious as your life”. Este livro, tal como a música, é para ser levado muito a sério.
O município do Sardoal promove um ciclo de jazz no primeiro fim-de-semana de Maio. Na sexta-feira, dia 4, actuam os Desbundixie (21h30); no sábado, dia 5, há dois concertos, Violets are Blue (18h00) e César Cardoso Quartet (21h30); e no domingo, dia 6, às 21h30, actua o Lisboa String Trio de José Peixoto, Bernardo Couto e Carlos Barretto. O bilhete diário tem o preço de 3€, o passe para os três dias fica por 6€.