Ao vivo: 15º Portalegre Jazzfest

Angles 3 [Fotografia: Žiga Koritnik]

Para a sua 15ª edição o Portalegre Jazzfest apresentou ao longo de três noites um leque de propostas esteticamente diversas: um duo americano, um trio europeu e três projectos portugueses que reflectem a actual vitalidade da cena nacional.

O festival arrancou no dia 26 de Abril com a actuação dos Angles 3 no CAEP – Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre. Projecto-âncora do saxofonista sueco Martin Küchen, os Angles assumem habitualmente formatos alargados – sexteto, octeto ou noneto, respectivamente designados Angles 6, 8 e 9 – mas esta versão reduzida conta com dois músicos convidados que não tocam habitualmente nas versões alargadas: o norueguês Ingebrit Håker Flaten no contrabaixo e o sueco Kjell Nordeson na bateria (também notável vibrafonista, noutros contextos). Trazendo na bagagem um disco novo, com o título “Parede”, o trio apresentou ao vivo os temas desse disco acabado de editar pela portuguesa Clean Feed. O grupo começa por expor as melodias com tranquilidade, repetindo os motivos, para a música depois evoluir rapidamente em crescendos de energia, assumindo a sua filiação no free jazz. Perante uma sala com muitos lugares vazios, o trio exibiu a sua competência e alta intensidade. Para fechar o concerto ficou o tema “Satan in Plain Clothes” (faz parte do disco dos Angles 3 e dá também nome a um disco do quinteto All Included, outro projecto paralelo de Küchen). O trio nórdico voltou a tocar no dia seguinte, na extensão do festival em Castelo de Vide, nos Paços do Concelho, num concerto mais concentrado e intimista, mas com a mesma energia e intensidade.

 

Bill Frisell & Thomas Morgan [Fotografia: Žiga Koritnik]

O segundo dia de concertos era aquele que gerava mais curiosidade, pela presença de dois músicos americanos: o guitarrista Bill Frisell e o contrabaixista Thomas Morgan. Desta vez a sala encheu e entre o público viam-se rostos familiares, incluindo muitos músicos que viajaram propositadamente de Lisboa (e não só). Em duo, Frisell e Morgan apresentaram ao vivo o material do disco “Small Town” (ECM, 2017). O duo mostrou no palco de Portalegre a sua reinvenção de temas clássicos pop americanos, num diálogo impecável entre a guitarra límpida de Bill Frisell e o contrabaixista preciso de Thomas Morgan. Num primeiro bloco de temas Frisell não se serviu de efeitos electrónicos, focado apenas no som perfeito da sua guitarra; acompanhado pelo também virtuoso Morgan, contrabaixista com som magnífico, irrepreensível no acompanhamento rítmico, cristalino quando assumia o desenho melódico. Após esse primeiro bloco de temas, seguiu-se um segundo conjunto, desta vez com Frisell a servir-se dos pedais de efeitos e loops, exibindo a sua elegância e absoluto controlo no som. A guitarra de Frisell e o contrabaixo de Morgan estabeleceram uma comunicação musical sublime, atravessando melodias familiares, e o concerto fechou com o clássico “What the world needs now”, de Burt Bacharach,.

 


The Rite of Trio [Fotografia: Petra Cvelbar]

A noite de sexta-feira contou ainda com a actuação do  trio portuense The Rite of Trio no café-concerto do CAEP. O grupo de André Silva (guitarra), Filipe Louro (contrabaixo) e Pedro Melo Alves (bateria, também mentor do projecto Omniae Ensemble) conquistou rapidamente o público com a sua música original, mescla de jazz, rock e improvisação. O disco “Getting All the Evil of the Piston Collar!” (Carimbo Porta-Jazz) fornece o material para o espectáculo, numa música que assume como característica central o ritmo – vive nas suas mudanças, quebras, surpresas, acelerações, variações. Entre a guitarra eléctrica mergulhada em efeitos e o contrabaixo e a bateria simultaneamente precisos e explosivos, nasce uma música sempre surpreendente.

 


Slow Is Possible [Fotografia: Petra Cvelbar]

Para o terceiro e último dia de festival (sábado, 28 de Abril) foram agendados três concertos, três projectos nacionais, diferentes entre si, que reflectem a diversidade do actual momento do jazz nacional. A noite abriu com o concerto dos Slow Is Possible no palco do CAEP. O sexteto apresentou o mais recente disco “Moonwatchers” (edição Clean Feed), também apresenta uma amálgama sonora original, onde além do jazz e do rock se incorporam elementos clássicos. Não será despropositado evocar a influência de John Zorn e a sua recente confirmação no programa do Jazz em Agosto, este ano dedicado à música do nova-iorquino, realça essa afiliação. Tendo na guitarra de João Clemente o principal propulsor (que assume a condução), também violoncelo (André Pontífice) e saxofone (Bruno Figueira) se destacam como vozes principais. Já piano, contrabaixo e bateria ficam remetidos a uma papel mais secundário, apoiando com precisão. A actuação foi quase sempre irrepreensível, apenas com um percalço, um problema técnico guitarra, que obrigou a recomeçar um tema.

 

Ricardo Toscano Quarteto [Fotografia: Petra Cvelbar]

Para o segundo espectáculo da noite chegou o Ricardo Toscano Quarteto, provavelmente a banda com mais rodagem no circuito jazz nacional. Toscano (saxofone alto), João Pedro Coelho (piano), Romeu Tristão (contrabaixo) e João Pereira (bateria) – todos instrumentistas fora-de-série – mostraram desde logo a sua destreza instrumental. O arranque do concerto foi representativo: evocando a tradição com a interpretação do clássico “My Favourite Things” (revisão da versão popularizada por John Coltrane no seu disco homónimo) e de “Pinocchio” (de Wayne Shorter), seguindo-se duas composições originais de Toscano (“Almeria” e “Os cogumelos do Pina”), a mostrar uma vontade e procura de originalidade. O quarteto foi desenvolvendo os temas com a sua magia habitual, combinando a soberba qualidade técnica e a fenomenal interação de grupo. Guiado pelo sopro fogoso do líder Toscano, o grupo exibiu o seu jazz pujante, sem mácula.

Fechando o festival, o café-concerto do CAEP voltou a acolher os The Rite of Trio, que repetiram a dose. Já sem a surpresa do primeiro dia, o trio exibiu a sua energia e, como bónus, esta segunda actuação contou com a participação da cantora Aubrey Johnson – com quem o grupo actuou pela primeira vez aquando da sua passagem por Nova Iorque, em Setembro do ano passado. A cantora participou no tema final, uma despedida tranquila em contraponto com a força habitual. Pela forte aposta na música criativa feita em Portugal, a programação do Portalegre Jazzfest, e particularmente o programador Pedro Costa, merece o aplauso.