Disco: Entre Paredes de Bernardo Moreira Sexteto

Bernardo Moreira Sexteto

Entre Paredes

(JACC Records, 2021)

Contrabaixista e compositor, Bernardo Moreira tem sido uma figura de proa do jazz nacional nos últimos trinta anos, uma das suas figuras quase omnipresentes, além de ser membro da “família real” do jazz nacional, o histórico clã Moreira. Contrabaixista notável, Bernardo tem trabalhado a tradição musical portuguesa nos vários projectos onde se envolve, como o trio de Mário Laginha, o grupo de Cristina Branco ou o novo trio Sul – Songs from the Southwest (com Luís Figueiredo e Bernardo Couto). Um dos trabalhos mais relevantes da sua vasta discografia (entre gravações como líder, co-líder ou sideman) será sem dúvida o disco Ao Paredes Confesso, gravado em sexteto em 2002.

Nesse disco, Moreira propôs-se a uma empreitada desafiante: “jazzificar” a música de Carlos Paredes, combinando as suas melodias com elementos do jazz. E o próprio Paredes foi pioneiro na tentativa de ultrapassar fronteiras de géneros musicais, desde logo ao aceder a um diálogo musical da sua guitarra portuguesa com o contrabaixo de Charlie Haden (encontro registado no disco Dialogues, de 1990). Cruzando universos sonoros, Ao Paredes Confesso ficou cristalizado como um verdadeiro marco para a música nacional. Quase 20 anos depois, Moreira volta a atirar-se ao cancioneiro de Paredes, mas com o cuidado de não repetir a fórmula.

Com um grupo diferente, Moreira propõe uma abordagem distinta. Desta vez, o contrabaixo de Bernardo Moreira conta com a companhia de Tomás Marques (saxofone alto), João Moreira (trompete), Mário Delgado (guitarra elétrica), Ricardo J. Dias (piano) e Joel Silva (bateria). Numa recente entrevista ao jornal Público, Bernardo Moreira explica: “O outro disco foi basicamente um conjunto de músicos de jazz a chamarem o Carlos Paredes para junto de si, um disco de jazz feito por músicos de jazz. Neste, fizemos o processo contrário: pensei que desta vez fazia sentido juntar uma série de músicos com experiências também na área da música popular portuguesa e irmos nós ao encontro do Carlos Paredes, respeitando muito mais a respiração de toda aquela música sem a forçar a vir para o jazz. Aqui, fomos nós a ir ter com ele.”

O disco de 2002 incluía quatro temas de Carlos Paredes e três composições originais de Moreira. Este novo disco inclui seis temas de Paredes: “António Marinheiro”, “Mudar de Vida”, “Canto de Amor”, “Verdes Anos”, “Serenata do Tejo” e “Canto do Amanhecer”. Juntam-se mais dois: “Além de Navio Triste” (música de Ricardo J. Dias) e “A morte saiu à rua” (de José Afonso). A única composição que se repete em ambos os discos é “Verdes Anos”, mas a diferença de interpretação é representativa da diferença de abordagem: se no primeiro disco se tratava de uma versão mais jazzística e compacta (pouco mais de dois minutos), neste nova versão ultrapassa os seis minutos, com trompete e piano a dialogarem longamente, planando sem amarras.

Este novo Entre Paredes revela uma música mais fluída, sem a necessidade de mostrar que se trata de jazz, é apenas música – e as marcas do jazz estão lá, naturalmente, sem serem forçadas. As melodias de Paredes são a âncora e o sexteto trata de as explorar, respeitando a essência, acrescentando novas cores. A qualidade individual dos intérpretes trata ainda de acrescentar brilho (destaque para alguns momentos do trompete de João Moreira, irmão do contrabaixista, e do saxofone de Tomás Marques, jovem talento em processo de afirmação meteórica). Atravessando mundos e reinventando a tradição, este disco fica para a história da música nacional.