Acaba de nascer um novo site dedicado à música improvisada. A página Improvisadoras, com existência em forma de site e página Facebook), nasceu da iniciativa de Sofia Rajado e tem o objectivo de dar visibilidade às mulheres que trabalham nas áreas do jazz e da música improvisada. Em entrevista, a autora apresenta o seu projecto.
Como surgiu a ideia para o Improvisadoras? Qual o objectivo deste projecto?
Gosto muito de música em geral e particularmente de jazz e música improvisada. Tive formação musical clássica desde muito cedo e durante alguns anos, mas houve um momento em que senti um certo cansaço e afastei-me. Coincidentemente, foi nesse período que comecei a escutar mais música, de diferentes géneros e origens. Vivia em Coimbra, havia os Encontros Internacionais de Jazz, organizados pelo Jazz ao Centro, fui a um concerto do Louis Sclavis com o Michel Portal, e tive vontade de descobrir essa música. Aí escutei concertos muito bons e, por influência de alguns amigos, interessei-me, procurei e a pesquisei mais. Um tempo depois mudei-me para Lisboa e comecei a ir aos concertos no CCB, Jazz às Quintas, organizado pela Trem Azul. De certa forma, foi um gosto que foi crescendo, embora tenha havido momentos que não tenha conseguido acompanhar tanto a “cena musical”. A par deste gosto pela música, também me interesso muito por política, na sua verdadeira essência, acompanho movimentos feministas, leio pensadoras sobre o tema, etc. Por isso, há um tempo comecei a juntar os dois mundos e a dar-me conta com mais clareza da invisibilidade das mulheres na música. Comecei a pensar sobre a quantidade de concertos que tinha ido, e que muito poucas, ou praticamente nenhumas vezes, assisti a mulheres a tocar. Não que eu não o procurasse, mas simplesmente porque elas não existiam. Cada vez que via e vejo a programação de um festival, fico sempre um bocado indignada. Quando leio uma crítica. São homens a falar de homens. Acho que foi uma indignação que foi crescendo, algo interno que me impeliu para criar um blog, para escrever sobre mulheres no jazz e na música improvisada e divulgar o trabalho delas. Para escrever sobre música também sob o olhar de uma mulher. Por esse motivo criei recentemente o blog Improvisadoras e também uma página no Facebook.
Na cena musical nacional assistimos a uma grande desigualdade de género, particularmente no jazz e música improvisada. O que poderemos fazer para tentar corrigir esta diferença?
As reflexões que faço são de alguém que está fora do meio, no sentido da sua criação artística, e que apenas participa como público atento. Alguns passos começam a ser dados. A criação da página no Facebook Mulheres no Jazz, bem como publicações de artigos sobre o tema, nomeadamente o que saiu no Rimas e Batidas da Rita Matias dos Santos, são um exemplo. Este tipo de iniciativas é muito importante, mas não podemos ficar por aqui, precisamos de mais. Acho que se deve partir para a prática e criar espaços de encontro e de diálogo entre mulheres, onde possam falar sobre as dificuldades e possíveis soluções. Nesta fase, seria interessante criar momentos de improviso entre mulheres, talvez a construção de jam sessions só com mulheres. A organização de debates em escolas de música sobre este tema também seria importante. Acima de tudo, criar uma onda de encontros entre mulheres, para que possam partilhar experiências, ideias. Acho que dessa reflexão conjunta, muito mais rica, poderão surgir respostas muito interessantes sobre o que fazer. Um outro aspecto que também considero importante e fundamental é entender que neste debate os homens não são “inimigos”, são também uma peça importante para a mudança e muitas vezes será necessário um diálogo mais “educativo” com eles.
Recentemente nasceu em Portugal o grupo Lantana, um sexteto que reúne improvisadoras com diferentes backgrounds. A trompetista Susana Santos Silva editou recentemente o disco Hearth, com um quarteto exclusivamente feminino. Estes exemplos de mulheres com mais visibilidade podem levar a que outras instrumentistas sigam estes caminhos?
Fiquei muito contente com o surgimento de Lantana, é um passo muito importante. Espero não cometer nenhum erro, mas penso que é o primeiro grupo, em Portugal, só com mulheres neste género de música, a improvisada. São heroínas. Assim como elas, a Susana Santos Silva. No caso da Susana, é impressionante, porque ela surgiu num momento muito mais difícil para as mulheres instrumentistas. Lembro-me de ser adolescente e já a ver a tocar na Orquestra de Jazz de Matosinhos, um meio altamente masculino. Mas, repare-se, para avançar, para construir o seu percurso também como compositora, saiu de Portugal. Se tivesse cá ficado, provavelmente não teria chegado onde chegou ou teria tido muito mais dificuldades/barreiras pelo caminho. A visibilidade destas mulheres é muito importante para outras poderem avançar. No fundo, elas estão a abrir caminho. Será também importante que em próximos festivais a decorrer em Portugal e que costumam contar com a presença de músicos internacionais, sejam convidadas mulheres de outros países.
Além de dar visibilidade a projectos de mulheres, este projecto poderá levar a outro tipo de concretizações? O que poderemos esperar no futuro?
Para já é apenas um blog de divulgação da música delas. Também um espaço para reflexão. Eu tenho um trabalho que nada tem a ver com música, isto acaba por ser um “hobby”. Também para mim, como mulher, mãe, é difícil conseguir conciliar tudo. Mas o tempo o dirá, vários caminhos poderão ser possíveis.