Women In Jazz: The women, the legends & their fight
Sammy Stein
(8th House Publishing, 2019)
As questões de igualdade de género começaram nos últimos anos a invadir os mais diversos espectros da sociedade, incluindo as artes e a cultura. O jazz não é excepção e esta é uma área especialmente rica para o debate. Sendo um mundo tradicionalmente masculino, historicamente no jazz o papel das mulheres esteve quase exlusivamente reservado para a voz – além de cantoras, são muito poucas as referências históricas femininas. Apesar de estarmos a viver uma evolução e de, nas décadas recentes terem surgido diversas mulheres instrumentistas que se distinguiram e afirmaram, ainda há festivais e salas que apresentam programações quase exclusivamente masculinas.
Com este novo livro, Women In Jazz: The women, the legends & their fight, a autora Sammy Stein explora a desigualdade de género neste universo musical. Grosso modo, o livro divide-se em duas partes: passado e presente. Na primeira metade a autora apresenta um conjunto de referências importantes do passado, com as inevitáveis cantoras populares (Billie Holiday, Ella Fitzgerald ou Nina Simone, entre outras), mas inclui também instrumentistas notáveis que não chegaram a alcançar o merecido reconhecimento público – como Melba Liston e Hazel Scott. Stein traça o percurso biográfico de cada uma destas figuras, referindo também circunstâncias em que as questões de género condicionaram as suas carreiras.
No segundo grande bloco do livro a autora olha para o presente, colocando diversas questões. A ausência de referências e “role models”, a forma como a educação e as escolas condicionam a aprendizagem e escolhas de percurso, a necessidade de ter de trabalhar mais e de mostrar mais do que um homem, questões de misoginia, sexualidade, violência e abuso são alguns dos temas referidos. Para esta abordagem a autora reúne um conjunto de entrevistas a compositoras, instrumentistas e cantoras da actualidade, participando nomes como Jane Ira Bloom, Terri Lyne Carrington, Kim Cypher, Barb Jungr e Carmela Rappazzo, entre outras. São ainda entrevistadas mulheres ligadas ao negócio da música, como agentes, promotoras, jornalistas e divulgadoras.
Embora o olhar para o passado seja relevante, essa retrospectiva histórica acaba por não acrescentar muito àquilo que os fãs já conheciam. A grande mais valia deste livro é mesmo a segunda metade, a abordagem do presente, cruzando questões e respostas, colocando diversas ideias em perspectiva. A autora expõe as ideias das intervenientes que estão no centro de tudo e, sem apresentar soluções mágicas, lança diversas pistas importantes para promover o pensamento crítico e uma discussão rica.
Em 2020 há diversos projectos jazzísticos (no mundo e também em Portugal) liderados por mulheres que merecem reconhecimento e exposição. Começam também a surgir iniciativas para a promoção da igualdade: o colectivo artístico We Have Voice de Nova Iorque (que inclui a portuguesa Sara Serpa) tem o objectivo de alertar, sensibilizar e actuar contra o assédio sexual e a discriminação; em Portugal surgiu no início deste ano a página de Facebook Mulheres do Jazz (da autoria de Beatriz Nunes, Joana Machado, Andreia Nunes e Joana Espadinha) dedicada a divulgar o jazz no feminino, as mulheres no Jazz, em Portugal e no mundo – mais um passo para promover a igualdade. A mudança está a fazer-se devagar, mas está a acontecer.