Corda Bamba
Corda Bamba
(JACC Records, 2019)
Fish Wool
Fish Wool
(JACC Records, 2019)
Uma das iniciativas marcantes promovidas pelo Jazz ao Centro Clube tem sido, além do festival homónimo, dos ciclos X-Jazz e da gestão/programação do Salão Brazil, a editora JACC Records. O selo editorial, inaugurado em 2010, tem documentado projectos interessantes do jazz e das músicas improvisadas feitas em Portugal, estando agora a chegar às quatro dezenas de edições. Os dois lançamentos mais recentes da editora mostram músicos nacionais em parceria com músicos estrangeiros, mostrando que a música não conhece fronteiras.
O disco Corda Bamba foi gravado por um quinteto, um grupo que reúne dois músicos portugueses a três figuras internacionais. Do lado português estão Luís Vicente (trompete) e Hugo Antunes (contrabaixo), ambos músicos com vasta experiência em parcerias internacionais. Juntam-se a armada estrangeira: Roger Turner, percussionista veterano, figura lendária da cena free improv inglesa, que já colaborou com músicos como Lol Coxhil, John Russell, Hugh Davies, Steve Beresford, Phil Minton ou Carlos Zíngaro; Alexander Hawkins, um dos mais interessantes pianistas da actualidade, que editou em 2019 o aplaudido disco Iron Into Wind (Intakt); e John Dikeman, saxofonista americano radicado em Amesterdão, membro de bandas como Universal Indians, Cactus Truck e Twenty One 4tet, e que gravou com Vicente, Antunes e Gabriel Ferrandini o disco Salão Brazil (No Business, 2016).
Corda Bamba foi gravado no Salão Brazil, em Coimbra, ao longo de três dias, em Janeiro de 2017. O quinteto trabalha um improvisação livre, uma música sem amarradas, uma música que parte do zero para ir crescendo em vagas de energia. Os sopros puxam à frente, mas todo o colectivo está envolvivo, todos contribuem para o desafio, todos lançam ideias e todos provocam. Nas duas faixas longas (“Vertigem” e “Mondego”) que compõem o disco há pergunta-resposta, ação-reação, mas o som vai sempre desembocando num caminho comum, uma massa mutante que nunca perde a forma, apenas se vai transformando. Esta música evoca o free ancestral, a fire music dos late-60’s/early-70’s, com toda a sua força e raiva. O quinteto Dikeman / Vicente / Hawkins / Antunes / Turner está sempre na corda bamba, sempre no risco, sempre no limite. E sem rede de segurança. Mas nunca cai.
Para o disco Fish Wool foi reunido um trio que músicos globetrotters: uma portuguesa que vive na Suécia e tem tocado por toda a Europa e um catalão e um brasileiro que adoptaram Portugal como casa. O trio Fish Wool junta o trompete de Susana Santos Silva com a percussão de Vasco Trilla e os saxofones de Yedo Gibson. O percurso de Santos Silva é notável, a portuense é uma das improvisadoras mais activas e criativas da actualidade, dinamizando projectos como o quinteto Life and Other Transient Storms, o trio LAMA, o duo com Kaja Draksler, a parceria com Torbjorn Zetterberg, o quarteto Hearth (com Kaja Draksler, Mette Rasmussen e Ada Rave), além do seu projecto Impermanence e do seu trabalho solo (disco All the Rivers, gravado ao vivo no Pateão Nacional). Trilla e Gibson têm desenvolvida colaborações estreitas com músicos portugueses, sendo figuras incontestáveis da actual cena improv lusa.
Também gravado no Salão Brazil, em Janeiro de 2019, este disco mostra os três improvisadores a desenvolverem uma exploração sónica mais expansiva, com menos pontos de referência e menos pontos de encontro, trabalhando de forma mais livre, com uma paleta mais diversa. Menos ancorada no free jazz, esta música é pura free improv, feita de pontas soltas, mas à medida que a música evolui também encontramos momentos de perfeita comunhão. Aqui encontramos um total de sete temas, a maior parte deles curtos (menos de cinco minutos), com músicos a atravessarem diferentes direções. São particularmente interessantes os momentos de interação entre os sopros, com o trompete e o saxofone em diálogo, complementado com a percussão atenta. O trio Santos Silva / Trilla / Gibson mostra que também sabe de funambulismo, o trio arrisca sem rede, também aqui a corda é bamba, mas não cai.