João Alegria é um original guitarrista português. Integrou a primeira formação do trio Bande à Part, tem desenvolvido um interessante percurso a solo e vem trabalhando em vários duos: com Ricardo Ribeiro, Leonor Castro (Tacet), Carlos Godinho (quem) e Bruno Sousa Villar (devir). A solo actuou no festival Rescaldo (2012) e desde 2011 vem publicando gravações na sua página Bandcamp, um ciclo que se fecha agora com a edição do novo “XXXII”. Em entrevista, João Alegria apresenta-se, fecha um ciclo e olha para o futuro.
Podes apresentar o teu o percurso musical?
Vim parar à música improvisada de forma natural, quase inconsciente, sem saber da sua existência até certo ponto. O que fazia era-me natural e era-me válido. Lembro-me de estar a tocar na cama, na adolescência e de pensar que queria dar um concerto com aqueles sons meio aleatórios que ia fazendo, que queria fazer aquilo na guitarra. Não me interessa o artifício, não me diz nada o fazer por fazer. O aleatório só por si não me diz nada, tem de ter alguma raiz, ser a expressão válida de alguma coisa. Entretanto passei por outras fases distintas até resultar nesta dinâmica, sempre sem grande consciência. Até, já na altura que formei a Band à Part, com o Ricardo Ribeiro e a Joana Guerra, não tinha grande noção do que me rodeava. Surgiu naturalmente e gradualmente a consciência.
Podes falar sobre o teu processo de criação? Como nascem os temas e como se desenvolvem?
Digo-te que é resultado de um movimento interior, só assim me faz sentido alguma coisa. É uma coisa muito física, visceral, emocional… Está muito relacionada com os movimentos vitais também: a respiração, o batimento cardíaco… É um processo que me altera. A repetição, o efeito catártico, o “transe”, são coisas que a minha cabeça precisa de fazer e onde precisa de estar. Tocar é uma necessidade e só assim me faz sentido também. A ideia de Absoluto… Lembro-me de falar disso com um amigo. Tem que ver com transcendência, transgressão e como necessidade; de fuga em última análise. Ouvi há pouco tempo o Matthew Shipp dizer que podemos chegar a algo divino, chegar às profundezas da consciência, é a nossa relação com o Cosmos. Isto ficou-me na memória. É a tradução do corpo. Acho que o que eu faço é mais “arte” que música. São construções involuntárias, normalmente num crescendo. Um jogo de tensão até resultarem num determinado lugar. Há um auge, um limite que atingem e um desaguar depois, uma chegada, uma libertação. Libertação é a palavra. O Rui Chafes diz que “a arte balança entre o sorriso do anjo e a cicatriz da nossa vida”, eu acho isto muito verdadeiro.
Acabas de editar mais uma gravação, que fecha um ciclo de edições online no bandcamp – 32 gravações publicadas desde 2011. O que representam estes registos? Tens ideia de publicar uma seleção deste material noutro formato?
Foi assim porque teve de ser assim, as circunstâncias assim o ditaram. Foi um processo, um caminho que percorri. Tornei-me uma pessoa diferente ao longo destes sete anos e isso está registado. Sempre gostei de editar ali, ter o controlo de tudo, as imagens negras dos álbuns, a numeração, etc… Acho que é altura de começar outro ciclo ligeiramente diferente, tenho vontade e capacidade (disponibilidade), por isso estou ansioso por avançar. Tenho uma vontade imensa de trabalhar cada edição ao pormenor, elaborá-la. E esperar o tempo necessário, não vou editar com a frequência com que editei no bandcamp, quero gastar o tempo necessário a que cada edição me requeira. Quero ter edições mais elaboradas (mais diversificadas talvez) do que até aqui. Gosto da ideia de edições densas. Vamos ver.
Gostava de editar um apanhado destes sete anos, sim. Lançá-lo em vinil com uma percentagem de material novo. Vou procurar uma editora que ache bem esta ideia e que me faça sentido também.
Podes indicar quais são as tuas principais influências e referências? E qual a tua ligação com o jazz e a improvisação?
Gosto de pensar num todo, acho que são essas as minhas grandes referências e influências, são ideias que retenho, conclusões, linhas de pensamento, etc… Gosto da ideia de tudo ser válido. Ouço free jazz, ouço música improvisada, música étnica porque acho que é aqui que se revelam as passagens mais relevantes. Acho que é na improvisação que nasce a melhor música, que se atingem os melhores lugares, os mais característicos, pelo menos.
Planos para o futuro?
Para além deste próximo passo a nível pessoal que gostaria de dar, gostaria também de retomar os duos que interrompi, agora com a maior dedicação. E tenho outras coisas em mente a médio, longo prazo; outros agrupamentos e ideias.