Memória: “Schwarzwaldfahrt” de Brötzmann / Bennink

Este texto foi a minha primeira colaboração com a revista Jazz.pt. Fui convidado a colaborar na Jazz.pt pelo Pedro Costa, na altura o director da revista, e esta crítica foi publicada no seu número 6, edição de Maio/Junho de 2006.

Peter Brötzmann / Han Bennink
“Schwarzwaldfahrt
(FMP, 1977; reed. Atavistic, 2006)

No fim do Inverno, dois músicos resolvem passar alguns uns dias na Floresta Negra, numa zona perto de Donaueschingen. Carregados com pão, bacon da região, truta fumada e algumas garrafas de vinho, instalam-se numa velha casa de madeira. Durante o dia vão para a floresta fazer música, música que surge no meio do arvoredo, música livre, improvisada. Com eles levam saxofones, clarinetes e pouco mais – e utilizam tudo o que encontram pelo caminho como instrumento musical. A história aconteceu em 1977 e teve como personagens dois fundadores da livre improvisação europeia: Peter Brötzmann e Han Bennink. Editado originalmente pela FMP, “Schwarzwaldfahrt” reuniu uma selecção dos melhores momentos que o duo gravou durante aqueles dias. Agora, quase trinta anos volvidos sobre a aventura, o disco foi reeditado, com o bónus de incluir um segundo disco com material que ficou de fora da primeira edição. Se à partida a ideia que esteve por trás da aventura já gerava curiosidade, o duo tratou de não defraudar as expectativas. Brötzmann, que é geralmente considerado o mais fiel seguidor de Albert Ayler, pelo teor incendiário do seu sopro, tem aqui uma prestação relativamente calma, distante do tom abrasivo que lhe é habitual. Han Bennink aproveita todos os objectos para fazer percussão e arranca sonoridades surpreendentes. Quase sempre em concordância, utilizando uma panóplia de instrumentos por vezes impossíveis de identificar, os dois músicos constroem fragmentos de ritmos e melodias que se sustentam em diálogo permanente. Sem alinhar em tretas neo-hippies, esta é uma celebração da música e da natureza, da música que nasce na floresta, nas árvores, na água. Pela dimensão que representa, como manifesto de música improvisada, este álbum é poesia natural.