Em 2006 o Gonçalo Loureiro convidou-me para escrever um texto para o seu blog “Entrelinhas“. Escrevi sobre um dos discos favoritos de sempre, o clássico (e pouco consensual) “Ascension” de John Coltrane. Aqui fica o texto.
John Coltrane
“Ascension”
(Impulse!, 1965)
Numa era que valoriza a simplificação, o jazz não será certamente a matéria mais fácil para abordagens condescendentes. Cem anos de história investem à música mais genuinamente americana um emaranhado de dados, elementos, personagens e referências que formam uma malha complexa, impossível de reduzir a meia dúzia de palavras. Não é sequer unânime, entre melómanos afincados, a escolha de um nome único que seja o sinónimo da palavra “jazz”. Haverá uma shortlist de candidatos – Louis Armstrong, Charlie Parker, Miles Davis e John Coltrane (Duke Ellington, Ornette Coleman, Dizzy Gillespie, Charles Mingus seriam outros possíveis) – mas nenhum deles consegue aprovação universal. Apenas uma selecção alargada de discos, de vários músicos e das suas várias fases, pode dar uma orientação consistente, ainda assim meramente introdutória.
Entre todos, John Coltrane. Se é que existe um instrumento que seja sinónimo de jazz, esse instrumento é o saxofone, particularmente o saxofone tenor. E Coltrane, o seu máximo explorador, representa o jazz. Desde que surgiu, como sideman, até que se afirmou com a obra-prima do hardbop “Blue Train” (Blue Note, 1957), o seu crescimento foi permanente. E o crescimento continuou desde que marcou presença no hiper-clássico “Kind of Blue” (Columbia, 1959) até fundar o seu mítico quarteto – McCoy Tyner, Jimmy Garrison, Elvin Jones – e daí até às estrelas. Nunca parar, nunca estancar, progredir sempre. Desde que levou o saxofone aos limites da exploração harmónica até à sua aventura pela liberdade total, John William Coltrane (1926-1967), lutou até ao fim pela premissa maior do jazz: a improvisação. Continue reading “Memória: “Ascension” de John Coltrane”