Esteves da Silva & Toscano: encontrar um caminho comum


João Paulo Esteves da Silva [Fotografia: Vitorino Coragem]

No próximo dia 4 de Outubro o Centro Cultural de Belém acolhe a actuação do duo João Paulo Esteves da Silva & Ricardo Toscano. Em antecipação a esse aguardado concerto, aqui fica um texto de antevisão que inclui declarações exclusivas do pianista.

O pianista, compositor e improvisador João Paulo Esteves da Silva é uma força viva da cena jazz portuguesa. Pianista original, Esteves da Silva combina a herança da tradição portuguesa com um virtuosismo improvisacional onde, além de exibir uma fulgurante qualidade técnica, denota um refinado sentido melódico. Após uma fase inicial na carreira em que pôs o seu talento ao serviço de outros músicos, nos últimos anos Esteves da Silva tem puxado para si mesmo os holofotes. Tem sido presença regular em múltiplos projectos na cena nacional, mas tem sido sobretudo alimentado projectos por si liderados. 

É sobretudo nas formações de menor dimensão, aquelas que lhe dão mais espaço, que a beleza do seu piano se revela em todo o esplendor. O disco a solo “Memórias de Quem” (Clean Feed, 2007), talvez o seu pico criativo até ao momento, deixou saudades e há muito que se espera um sucessor. Com o trio No Project – grupo com Nélson Cascais e João Lencastre dedicado à improvisação sem rede – trabalha uma música que nasce aberta mas encontra sempre rumo. Mais recentemente, estabeleceu um novo grupo, um trio com Mário Franco e Samuel Rohrer, que acaba de editar o disco “Brightbird” – um verdadeiro manifesto de elegância na forma de música.

Uma das suas mais memoráveis parcerias foi o duo que desenvolveu com o trompetista americano Dennis González. Em dois discos – “Scapegrace” de 2009 e “So Soft Yet” de 2011 – a dupla desenvolveu uma música assente no lirismo, extraindo do piano e do trompete notas de puro sentimento, num diálogo instrumental que não se deixa prever, nunca abdicando de arriscar. O piano de Esteves da Silva estabeleceu com o trompete de González uma perfeita intimidade musical, marcada por um permanente lirismo.

Após essa parceria bem sucedida, o pianista regressa de novo ao formato duo. Com o jovem saxofonista português Ricardo Toscano (Lisboa, 1993) as coordenadas da música são necessariamente diferentes, o duo assume características distintas, desde logo pela expressividade do saxofone alto de Toscano. A música de Toscano não é marcada pela contenção e lirismo, antes pelo contrário: é sobretudo caracterizada pela pujança, pela energia. O jovem músico tem espalhado o seu talento por diversos projectos, é uma figura quase omnipresente no jazz português. Integra o Septeto do Hot Clube de Portugal, integra as bandas de gente como Nélson Cascais (The Mingus Project, Decateto), Carlos Barretto e faz parte da actual formação do histórico Sexteto de Jazz de Lisboa (substituiu o membro fundador Jorge Reis, falecido em 2014).

A sua música assume a plena expressividade ao leme do Ricardo Toscano Quarteto. O grupo foi formado em 2013 e reúne quatro jovens da mesma geração: João Pedro Coelho (piano), Romeu Tristão (contrabaixo) e João Pereira (bateria). O quarteto trabalha um jazz coltraneano de fogo e energia e tem conquistado quase todos os palcos e festivais portugueses, como AngraJazz, Estoril Jazz, Casa da Música, Funchal Jazz, Portalegre JazzFest, etc. Para breve espera-se o disco de estreia do quarteto, com enorme curiosidade.

O duo nasceu da iniciativa do saxofonista, depois de um primeiro encontro musical. Conta Esteves da Silva: “Aqui há tempos, num concerto de homenagem ao José Luís Tinoco, calhou-nos ter um momento em duo. A partir dali, ficámos com vontade de repetir.” O pianista fala sobre Toscano de forma generosa: “Um privilegiado; alguém que as musas amam até à loucura, sobretudo a musa do jazz.” Entre os dois, que música poderemos esperar? Temas originais, composições alheias, improvisação? Responde o pianista: “De tudo isso, em doses mais ou menos equilibradas, sendo que a última categoria, a improvisação, a mais importante, governa as outras duas e a si própria.”

O novo duo promete um diálogo instrumental único, duas forças motrizes do jazz nacional reunidas. Entre as notas pingadas do piano delicado de João Paulo e o rugido do saxofone alto de Ricardo, há todo o caminho de entendimento por trilhar. Os dois músicos, para lá de todo o seu virtuosismo, saberão encontrar esse caminho comum.