Bernardo Moreira regressa à música de Carlos Paredes

[Fotografia: Márcia Lessa]

O contrabaixista Bernardo Moreira vai regressar à música de Carlos Paredes. Moreira vai apresentar o novo espectáculo “Entre Paredes – A música de Carlos Paredes” no dia 24 de Abril na Casa dos Bicos – Fundação José Saramago (Lisboa) e nos dias 6 e 7 de Julho no Quebra-Jazz (Escadas do Quebra Costas, Coimbra). O contrabaixista regressa a Paredes quinze anos depois de ter editado o disco “Ao Paredes Confesso“, disco que se tornou um marco na história do jazz português. A acompanhar o contrabaixista estarão João Moreira (trompete),  Tomás Marques (saxofone), Gonçalo Neto (guitarra) e André Sousa Machado (bateria).

 

O disco “Ao Paredes Confesso” celebra 15 anos em 2018. Como surgiu a ideia de voltar a esta música?

Confesso que a ideia não foi minha e devo dizer que me foi difícil perceber se isso fazia sentido, ou não. Tenho resistido, ao longo dos anos, a vários pedidos para apresentar em concerto o “Ao Paredes Confesso”. Sempre achei que não fazia sentido voltar a este universo que me é tão especial. Este ano o disco celebra 15 anos e recebi dois convites que me deixaram muito comovido. Não pude simplesmente recusar.

Como nasceu a ideia original de “jazzificar” a música de Carlos Paredes?

Por estranho que possa parecer, um dos grandes responsáveis pelo meu gesto tresloucado de mexer na música de Carlos Paredes chama-se Wayne Shorter. Estávamos em 2001 e eu andava por Coimbra a gravar com o Vitorino o “Alentejanas e Amorosas”. Passava as noites numa República a ouvir Carlos Paredes com a malta do fado de Coimbra e lembro-me de ficar absolutamente fascinado com a força avassaladora daquele homem. Estava eu em pleno processo de assimilação compulsiva do universo Paredes, quando recebi um convite para tocar com o Wayne Shorter. Essa semana de ensaios e concerto, tão rica e tão intensa, fez-me perceber que estes dois “monstros sagrados” que eu tanto admirava tinham, na realidade, uma postura perante o Universo, musical e não só, absolutamente idêntica. Dois seres iluminados, de uma humildade extrema, em que tudo é emoção e sentimento. Cada nota é “a nota”, com o peso que todas as notas teriam se fossem únicas. A semana que passei com o Shorter fez-me perceber que os dois universos, aparentemente tão distantes eram, na realidade, um só. A ideia do disco surgiu então, na minha cabeça, como uma espécie de diálogo imaginário entre mim e os dois velhos mestres. A minha relação com Carlos Paredes através das suas melodias é óbvia mas, para um ouvinte mais atento, existem alusões claras ao universo shorteriano.

[Fotografia: Márcia Lessa]

O disco foi gravado em sexteto, agora vais tocar com um grupo diferente, um quinteto com João Moreira, Tomás Marques, Gonçalo Neto e André Sousa Machado. Porque escolheste tocar com estes músicos?

A ideia de replicar o disco não faz sentido. Seria apenas uma comemoração nostálgica, bonita sem dúvida, mas que se esgotaria nesse momento. Ao aceitar o desafio de voltar a Carlos Paredes propus-me inverter o caminho e passo a explicar: passados tantos anos, quando oiço o disco, o que sinto é que foi o Carlos Paredes a vir ter comigo, músico de jazz perfeitamente assumido. Hoje, o que sinto, é que estou preparado para ser eu a ir ter com ele. O meu percurso, nos últimos anos, deu-me a possibilidade de entender, a fundo, a linguagem e toda a base que sustenta a sua música. A escolha dos músicos que me acompanham tentou conciliar criatividade, frescura, experiência e conhecimento do universo da Música Popular Portuguesa e nisso o João Moreira e o André Sousa Machado são fundamentais. Para equilibrar um pouco as coisas, convidei o Gonçalo Neto e o Tomás Marques, que são dois músicos magníficos, muito jovens e com uma vontade enorme de explorar e descobrir novos caminhos.

[Fotografia: Márcia Lessa]

Há ideia de gravar esta nova reinterpretação da música de Paredes? Vão ter mais concertos, além estes?

Tenho estado a trabalhar em novos arranjos de temas do Carlos Paredes, talvez menos conhecidos mas igualmente maravilhosos, que gostava de apresentar ao vivo. Sinto uma enorme vontade de tentar ir mais além neste diálogo e, quem sabe, se um dia não resultará num novo disco. Para já, quero aproveitar estes convites da Fundação José Saramago e do Quebra Costas e, obviamente deixar a porta aberta a outros que possam surgir.

Além deste projecto, em que outros projectos estás envolvido?

Estou numa fase boa, em que me apetece escrever música nova, desenvolver novas ideias que têm vindo a amadurecer nos últimos anos. Interessa-me esta mistura de universos que se fundem e é nesse sentido que caminho. Estou, neste momento, a desenvolver dois projetos distintos que espero gravar até ao final do ano e que refletem a minha ideia de Música Portuguesa.