Pianista e compositor, Daniel Bernardes acaba de editar o disco Liturgy of the Birds. Neste seu segundo disco na condição de líder Bernades conta com a companhia de António Augusto Aguiar no contrabaixo e o Mário Costa na bateria, além do apoio do Drumming GP. Publicado pela editora Clean Feed, este álbum apresenta uma música original que se inspira e homenageia Olivier Messiaen e que será apresentada ao vivo no dia 23 de Janeiro no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Numa pequena conversa, Daniel Bernardes apresenta a sua liturgia dos pássaros.
Como surgiu a ideia de fazer música inspirada em Olivier Messiaen?
Tomei contacto com a música de Olivier Messiaen ainda na adolescência enquanto aluno de conservatório. A influência de Messiaen, para qualquer pessoa interessada em composição, é incontornável! Aliando este aspecto à proximidade estética entre o seu sistema de modos e os modos gregos, este seu sistema surge como possibilidade de prolongação harmónica. Sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, ia fazer um projecto desta natureza. Liturgy of the Birds alude à profunda devoção religiosa de Messiaen assim como aos cantos de pássaro, presentes por toda a sua obra.
Como foi o processo de composição e qual o espaço para a improvisação?
Messiaen deixou-nos muitos escritos e análises, explicando as suas técnicas e relacionando-as com a música de outros compositores ou culturas, como por exemplo a sua utilização de ritmos oriundos da Música Indiana. Ano após ano relia os seus textos como “Technique de mon Language Musical” ou o seu maravilhoso tratado “Traité de Rythme, de Couleur, et D’Ornithologie”. Aprende-se a compor analisando o processo de outro compositor e assimilando esse processo até começarmos a criar algo que seja nosso. Foi assim que, com o entusiasmo pela música que estava a surgir destas “experiências”, lancei o convite aos Drumming GP para criarmos este projecto. Não gosto de ensaiar muito e por isso penso e organizo a música da forma mais clara possível para que – independentemente da dificuldade da execução técnica – seja possível começar a fazer música desde o primeiro momento. O entusiasmo inicial quando uma ideia musical me aparece é precioso para mim, assim como – enquanto intérprete – o primeiro ensaio de um novo projecto. Com isto em mente, tento encontrar o equilíbrio entre a rigidez da partitura escrita e o espaço para a improvisação. Este projecto tem é extremamente escrito todas as texturas de “pássaros” estão definidas, mas há muita margem para a criatividade interpretativa.
Para o trio base, a acompanhar o piano, convidaste o António Augusto Aguiar no contrabaixo e o Mário Costa na bateria. Porque escolheste estes músicos?
Precisava de músicos com background de música erudita, para lidar com a complexidade das partituras. O António Augusto Aguiar é um especialista em música contemporânea, tem uma actividade muito intensa neste domínio com o Ensemble Remix aliada à experiência que tem a tocar jazz. É dono e senhor de uma técnica incrível do instrumento e sabia que seria o contrabaixista ideal para este projecto. O Mário Costa é um baterista genial, com um sentido rítmico e uma criatividade fantásticas! O seu disco Oxy Patina é das melhores coisas que alguma vez ouvi! Sabia que trabalharíamos juntos mais cedo ou mais tarde. O conhecimento profundo que tem do universo da percussão clássica dar-me-ia liberdade para lhe incutir outros papéis para além do de baterista, o que me dava uma maior liberdade a escrever, e sabia que – não tendo mais do que um ensaio antes da gravação – o Mário conseguiria perceber de imediato o conjunto de linguagens que estava a tentar misturar neste projecto.
Porque juntaste também o Drumming GP?
Os Drumming são uma referência internacional no domínio da percussão. Têm estreado obras atrás de obras, ainda agora fizeram um disco extraordinário com o Luis Tinoco! Quando comecei a explorar os cantos de pássaro, percebi que precisava de um elenco instrumental maior do que o tradicional trio de piano. Não demorou muito a perceber que o mundo da percussão me traria a riqueza tímbrica necessária. Assim que or primeiros esboços começaram a ganhar vida abordei-os para colaborarmos e, para minha felicidade, o desafio foi aceite!
O disco foi editado pela Clean Feed. Como surgiu esta ligação à editora?
Abordei a Clean Feed pois senti que este projecto se enquadrava na linha estética do seu catálogo. O entusiasmo imediato com o projecto fez-me logo sentir que estava no sítio certo ainda mais quando vi o trabalho fantástico do Travassos para a capa! Têm sido muito importantes na divulgação internacional do projecto e uma ajuda preciosa a levar esta música a um maior número de pessoas.
Um dos temas é dedicado a Krzysztof Kieślowski. É uma homenagem ao realizador da trilogia das cores?
Sim! Há uns anos vi o seu estrondoso Dekalog que me abalou imenso. Ao longo da série Kieslowski espalhou actores e não-actores, que num episódio eram protagonistas e noutro figurantes com uma aparição fugaz. Gostei muito desta ideia e defini uma célula musical de dois compassos, o “motivo Kieslowski” que fui disseminando em diferentes composições – temas de jazz ou obras que me encomendam.
Tens planos para continuar este projecto? Em que outros projectos estás envolvido?
Vamos fazer o lançamento do disco no dia 23 de Janeiro no Centro Cultural de Belém e temos datas marcadas um pouco por todo o país em 2020, pelo que para já o foco está mesmo neste disco. Acabo de escrever uma nova obra para Trio Jazz e Orquestra de Sopros que estreará no dia 31 de Janeiro no auditório da Escola Superior de Música de Lisboa e estou a poucos dias de fechar a música para a série A Espia, o meu primeiro trabalho para televisão, que estreará em Março na RTP. Em Abril tenho a estreia de um novo projecto encomendado pelo CCB que terá a sua divulgação em breve!