Paulo Dias Duarte é um de vários músicos portugueses da área do jazz (como João Lobo, Gonçalo Almeida, Sara Serpa e outros tantos) que resolveram tentar a sua sorte – e conseguiram-na – em outras paragens geográficas. No caso do compositor e guitarrista tal resultou num projecto de “big band” que começa a dar que falar pela Europa, o Overground Collective, equiparando-se em termos de inovação e criatividade com aquilo que, por cá, tem feito Marco Barroso com o LUME. Fomos conversar com o músico para saber como chegou a tal desenlace, o que está presentemente a fazer e o que vem de seguida…
Antes de mais, como nasceu a tua ligação à música? Porquê a escolha da guitarra?
A guitarra apareceu porque a minha prima andava sempre com uma guitarra atrás e à mais pequena oportunidade punha-se logo a cantar. Eu tinha para aí 9 anos e achava aquilo mágico. Depois fui passar umas férias com João Afonso, o cantor, e ele ensinou-me a tocar umas canções do tio dele (Zeca) e a partir daí tornou-se um vício. Comecei por querer tocar toda a música de Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Fausto, Zé Mário Branco e Carlos Paredes e depois o rock todo que ouvia com os colegas da escola. A certa altura, os meus pais perceberam que aquilo era sério e puseram-me Academia de Amadores de Música a estudar guitarra clássica. Entretanto, fiz umas passagens breves pelo Hot Clube e pela Escola de Jazz do Barreiro, mas tive muitas dificuldades em passar da guitarra clássica para a eléctrica, porque são dois instrumentos completamente diferentes. A minha ligação à musica de forma mais profunda veio da necessidade de estar em comunidade. A música de que gostamos reflecte a nossa forma de estar na vida e por isso é uma ferramenta muito eficaz para encontrar afinidades e fazer amigos novos. A música sempre me deu comunidade. Primeiro numa banda de rock com os colegas da escola, mais tarde na guitarra clássica e hoje em dia no jazz e na música improvisada.
Podes indicar dois ou três discos que tenham sido marcantes no teu processo de descoberta da música criativa?
Isso é um exercício muito difícil, porque ao longo da vida nós mudamos e os nossos gostos também. Por isso uma obra que nos tenha marcado numa determinada altura das nossas vidas pode, hoje em dia, não ter qualquer significado para nós. Por exemplo, gosto muito da musica de Jimi Hendrix, mas quando tinha 9 anos e ouvi “Voodoo Child” pela primeira vez achei aquilo horrível. A certa altura a minha avó apareceu com umas caixas de discos da Readers Digestque tinham os singles todos que estiveram no “top” de vendas entre 1940 e 1980. Eram para aí 50 discos que ouvi compulsivamente, como se quisesse absorver aquela música toda ao mesmo tempo. Portanto, estas caixas mais a meia dúzia de discos de música clássica que havia lá em casa foram o meu ponto de partida para me interessar por música. Depois apareceram os Dire Straits com “Brothers in Arms” e aquilo era tão diferente que me despertou um certo pensamento crítico em relação à música. A partir daí nunca mais prestei atenção aos “tops” da rádio e procurei ouvir música pela sua autenticidade. Hoje em dia tenho muita dificuldade em ouvir esse disco, mas foi ele que me levou a investigar mais sobre música e consequentemente a descobrir os Pink Floyd, Frank Zappa e, mais tarde, Chet Atkins, Bill Frisell, Wes Montegomery e outros artistas cujas obras ainda hoje exercem um grande fascínio em mim. No principio dos anos 1990, quando o grunge estava por todo o lado e eu já pensava em fazer uma banda, ouvi o primeiro disco dos Naked City e aquilo foi como uma bomba. Acho mesmo que é o disco que tem mais peso na minha decisão de querer tocar música instrumental. Esse e o “Winter Truce” de Django Bates, que foi fundamental na minha decisão de ir para Londres. Hoje em dia, acho que a Quinta Sinfonia de Beethoven e a Sagração da Primavera de Stravinsky, que eram os únicos discos que o meu pai tinha lá em casa, são talvez os modelos que estão mais presentes na minha maneira de pensar a composição. A primeira pelo desenvolvimento motívico e a segunda pelas estratégias de orquestração e pela forma de pensar o ritmo.
Em 2005 editaste o disco do projecto Raum, Sete Pecados Mortais, que apresentaste ao vivo no Jazz em Agosto. O que representou esse projecto no teu percurso?
O Ensemble Raum foi uma escola para mim. Eu sabia exactamente a música que queria fazer, mas não sabia como lá chegar. A música que ouvia não se ensinava nas escolas. Na altura ensinava-se música clássica na academia e jazz no Hot Clube, mas eu interessava-me pela música que ouvia no Jazz em Agosto, mas como essa não se aprendia em lado nenhum comecei o Ensemble Raum na esperança de conseguir chegar à sonoridade que queria de uma forma empírica. A maioria eram músicos de formação clássica que improvisavam utilizando técnicas que tinham aprendido na música contemporânea. Mais tarde, Fausto Ferreira, João Lencastre, José Meneses e Mário Franco, todos músicos com formação na área do jazz, entraram no Ensemble e a sonoridade mudou muito. Aprendi muito com eles. Sem eles os Sete Pecados não teriam sido possíveis. Para mim essa é uma peça muito importante, porque foi a minha primeira tentativa de escrever algo de grande dimensão à volta de uma ideia central. Foi um trabalho muito difícil, porque eu nunca tinha estudado composição e tudo era feito na base de tentativa e erro. Tocámos a peça no Hot Clube várias vezes antes de a gravar e em todas elas surgiram versões diferentes, porque eu estava sempre a alterar a partitura. O processo de composição só terminou quando o disco foi gravado e apresentado na Gulbenkian. O Jazz em Agosto foi como o fechar de um ciclo em grande estilo para todos nós. Em 2008 revi a partitura e adaptei-a para uma formação mais “jazzística” e menos “música de câmara” como era o Raum. Tirei os clarinetes e a flauta e meti dois saxofones e um trompete. Foi com esta peça que comecei a fazer concertos em Londres. Apesar de não ser frequente, os Sete Pecados ainda se tocam de em quando. Este ano, o Festival de Jazz de Aarhus, na Dinamarca, pediu-me para os tocar e vou fazê-lo outra vez em Copenhaga, no próximo mês de Janeiro. Fico muito feliz por ver que ainda faz sentido tocar uma peça que escrevi há tanto tempo. (…)
Entrevista completa no site Jazz.pt.