Disco: “Hi! Who Are You?” de Susana Santos Silva / Torbjörn Zetterberg / Hampus Lindwall

Susana Santos Silva / Torbjörn Zetterberg / Hampus Lindwall
Hi! Who Are You?
(Matière Mémoire, 2019)

Certa vez, Kurt Cobain, o falecido líder dos Nirvana, surgiu na televisão com uma “t-shirt” que continha um desenho e a frase “Hi! How Are You?”. Era a capa de um disco de Daniel Johnston, “songwriter” americano que morreu no início do passado mês de Setembro e que deu ao mundo pérolas do cancioneiro “indie” / alternativo como “True Love Will Find You in the End” ou “Some Things Last a Long Time”. A expressão “Hi! Who Are You?” é também o título do novo disco do trio de improvisação livre constituído por Susana Santos Silva, Torbjörn Zetterberg e Hampus Lindwall. 

Santos Silva – trompetista, compositora e improvisadora – tem sido um esteio criativo do jazz português. Integrou a Orquestra Jazz de Matosinhos durante duas décadas, estreou-se como líder com o disco “Devil’s Dress” e vem alimentando uma discografia vasta, na qual se destacam inúmeras parcerias internacionais. Lidera o quinteto Impermanence e integra diversas formações, como o quinteto Life and Other Transient Storms, o trio LAMA, um duo com Kaja Draksler, o quarteto Hearth (com Kaja Draksler, Mette Rasmussen e Ada Rave), colaborando ainda com, por exemplo, a Fire! Orchestra de Mats Gustafsson. Com o disco “All the Rivers” (Clean Feed, 2018), gravado a solo, revelou a sua enorme expressividade instrumental.

Em 2013, o álbum “Almost Tomorrow” juntou-a ao contrabaixista sueco Torbjörn Zetterberg, numa música que assentava na improvisação, mas ia ao encontro da melodia. Em 2016, Santos Silva e Zetterberg juntaram-se ao organista sueco Hampus Lindwall e publicaram “If Nothing Else”, gravado numa igreja em Paris. Agora, o trio luso-sueco sedimenta a parceria, com este novo degrau de entendimento musical. Neste álbum não encontramos quaisquer resquícios das melodias delicadas e “naïf” de Daniel Johnston, mas sim três instrumentos em diálogo, na procura de um caminho comum. Esta música é pura improvisação, com cada um dos intervenientes a sugerir ideias e a procurar um rumo. O trompete lança farpas, o contrabaixo responde, o órgão procura um terreno estável. Todos provocam e desafiam, mas também todos procuram soluções.

O diálogo é permanente. Uns momentos são mais reflexivos, até paisagísticos (com o tranquilo órgão no fundo), em outros o trompete explora sons não convencionais e o contrabaixo troca o pizzicato pelo arco. Em “Or the Other Side of the Mirror” somos literalmente ensombrados. Uma irrequieta conversa a três surge em “It’s changing all the time”. O resultado deste encontro é desafiante, uma música aberta em que há uma permanente procura. Entre a gravidade do contrabaixo, o som luminoso do trompete e a magia ondulante do órgão, encontramos sempre algo que nos desassossega.

Texto publicado no site Jazz.pt:
https://jazz.pt/ponto-escuta/2019/10/07/susana-santos-silva-torbjorn-zetterberg-hampus-lindwall-hi-who-are-you-matiere-memoire/