Ao vivo: Peter Evans & Orquestra Jazz de Matosinhos


[Fotografia: Vera Marmelo]

O americano Peter Evans começou por se afirmar como trompetista extraordinário, músico inovador, notabilizando-se pelas suas actuações e registos a solo – como “More Is More” (2006) ou “Nature/Culture” (2009). Ficamos depois a conhecer as suas facetas de líder, compositor, arranjador, explorador e improvisador, expostas em discos como “Live in Lisbon” (Peter Evans Quartet, ao vivo no Jazz em Agosto), “Live in Coimbra” (do quinteto Mostly Other People Do The Killing, gravado no Jazz ao Centro) e “Scenes in the House of Music” (num quarteto com Evan Parker, Barry Guy e Paul Lytton, na Casa da Música). Refira-se ainda a sua colaboração com o Rodrigo Amado Motion Trio, registada em dois discos (“Live in Lisbon” e “The Freedom Principle”).

Por aqui conclui-se que a ligação do trompetista com Portugal vem de longe. E desta vez Peter Evans foi desafiado a tocar com a Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM), numa parceria que surgiu tão inesperada quanto o resultado seria imprevisível.Dirigida por Carlos Azevedo e Pedro Guedes, a orquestra já revelou a sua excelência em colaborações com músicos como Carla Bley, Kurt Rosenwinkel, Maria Schneider, Lee Konitz e John Hollenbeck. Ao longo de duas décadas de história a OJM tem trabalhado um percurso versátil, sempre às voltas do jazz contemporâneo, mas esta parceria prometia levar os músicos a novos níveis de exploração. Depois de uma primeira actuação na Casa da Música, a 25 Novembro, a orquestra repetiu a actuação em Lisboa, na Culturgest, no dia 28.

Perante o grande auditório da Culturgest (com a sala preenchida a cerca de 2/3), a orquestra atacou uma sequência de quatro temas sem pausas: três temas originais de Evans (“Passing Through”, “Mantra” e “Passage”, com arranjos dos directores da orquestra, Guedes e Azevedo); seguindo-se o standard “I Want to Talk About You” (para a história fica a versão popularizada por Coltrane). Após esse quarto tema, fez-se finalmente uma pausa e Pedro Guedes aproveitou para apresentar os músicos. E o concerto fechou com um último tema, novamente uma composição de Evans.


[Fotografia: Vera Marmelo]

Os arranjos desconstruíram os temas, não se tratou de fazer uma simples adaptação para big band clássica, assistimos a uma transformação e recriação criativa – mérito de Guedes e Azevedo, aplauda-se o arrojo. A orquestra tratou de interpretar os temas, com toda a competência, utilizando estratégias fora do comum, sobrando improvisações individuais de alguns elementos – destaque para os solos de Demian Cabaud, Marcos Cavaleiro e José Pedro Coelho. Contudo, o foco estava mesmo no trompetista, que inevitavelmente roubou todas as atenções.

Como ferramentas, Peter Evans serviu-se do trompete e do pocket trumpet – neste concerto utilizou sobretudo o segundo. Evans conquistou rapidamente o auditório, pelo modo como explorou o som do instrumento: além de soar com toda a elegância e classicismo, Evans exibiu o seu virtuosismo, explorou técnicas incomuns, fazendo o trompete soar como um instrumento sem limites. Cada improvisação era trabalhada em alta intensidade, sempre criativa, sempre fascinante – frequentemente víamos todos os elementos da orquestra a olharem atentos para o trompetista.


[Fotografia: Vera Marmelo]

Da união de esforços entre orquestra e solista nasceu um verdadeiro jazz contemporâneo, onde a improvisação (superlativa) era articulada, de forma fluida, com estruturas super-definidas. Entre a magia do trompete, a precisão e dinâmica da orquestra e pozinhos de efeitos electrónicos, cresceu uma música sempre tensa, exuberante, magnífica. Na Culturgest ouviu-se um jazz actual, uma modernidade que não esquece a tradição, uma música absolutamente viva.

Entre os temas o maestro Pedro Guedes confessou que, além do prazer que foi tocar com Evans, esta experiência acabou por se traduzir num “teste à elasticidade” do grupo. Depois desta actuação, podemos confirmar que a orquestra superou o teste, mostrou a necessária flexibilidade – e era precisa muita. E, depois desta prova superada, a OJM poderá tocar com qualquer músico do mundo.