3 Discos? A escolha de Lucía Martínez

Lucía Martínez [Fotografia: Esther Cidoncha]

Natural da Galiza, Lucía Martinez é uma criativa percussionista, compositora e improvisadora. Passou pelo Porto e por Berlim e dinamiza vários projectos musicais: Lucía Martínez Cuarteto, MBM Trio (com Baldo Martínez e Antonio Bravo), Berliner Project Azulcielo e duo Desalambrado (com Agustí Fernández). É actualmente directora artística do Imaxinasons – Festival de Jazz de Vigo. Estas são as suas escolhas.

“A escolha de discos preferidos é sempre algo muito difícil para uma pessoa que vive ao redor da música, os discos formam parte das nossas vidas, dos nossos amores (ou desamores), do nosso subconsciente e até do nosso mobiliário. Mas, pronto, perante o convite tinha mesmo de pensar qual seria, no dia de hoje (em cada dia seria diferente) a minha selecção. Se jazz ou clássica ou pop… hoje esquecemos as etiquetas, são simplesmente discos. Nesta ocasião a escolha está feita pelo coração, noutra altura da minha vida seria feita com outros critérios. Aqui vão os porquês.”

  

Astor Piazzola / Horacio Ferrer – “María de Buenos Aires”
(Trova, 1968)
“Cheguei a esta gravação quando era uma adolescente em busca de discos para me “alimentarem”. O meu amigo Paulo, que é um par de anos mais velho do que eu, deu-me este disco. O Paulo era já nesses tempos um grande estudioso da música, de todas as músicas, um filósofo, compositor e escritor. Ele falou-me, entre outras coisas, da escola de Nadia Boulanger, em Paris. Falou-me de grandes compositores do século XX que estudaram em Paris com ela. E Piazolla foi também foi um desses compositores que passou por Paris para estudar com a  Nadia (e acho que foi também amante dela!). O caso é que esta grande pedagoga (além de compositora, organista, intelectual, etc.) à chegada de Piazzola, e ao ver esse grande talento que tinha para escrever tangos e o grande conhecimento da sua música argentina, recomendou-lhe aprofundar a “sua” música que era o tango, para chegar ao fundo da sua tradição e encontrar caminhos novos; compor tangos seria a trabalho da sua vida. Tanto é que assim mudou a história da música tango. Esta conversa que tive com o Paulo, ja há mais de 20 anos, mudou a minha vida, fez-me ser uma pessoa com orgulho de ter nascido num lugar onde a música tradicional é tão importante e inspira (digo com toda a modéstia do mundo) ainda hoje, este meu gosto de incluir músicas tradicionais ou folclóricas nos meus trabalhos. Indiferentemente do estilo, o espírito é esse. Nesta gravação, Piazzola toca e Horacio Ferrer recita. A selecção dos músicos e da cantora (a diva de Piazzola, que fez inúmeras gravações com ele) é muito minuciosa. Gravação muito inspiradora e bonita. Grande disco, grande compositor e grande interpretação.”

Keith Jarrett – “The Köln Concert”
(ECM, 1975)
“O “vinil branco” da casa da minha tia. Quando eu ia visitar a minha avó, era o momento de escolher discos e ouvir. Ali descobri coisas maravilhosas. A minha tia que também vivia nessa casa é uma grande melómana  e tinha tudo o que era imaginável. Um dia vi um disco de vinil branco, completamente branco. Pareceu-me tão bonito por fora que imaginava que estava dentro deveria ser muito bonito. Desde aquele dia esse disco deu tantas voltas… São estas “casualidades” na infância que marcam para toda a vida. Que bom foi ter uma infância com tanta música. Tenho que dizer que, sem o saber, foi o meu primeiro disco de jazz. Nesses tempos, eu ainda disfrutava da música “sem etiquetas” de estilos.”

Paco de Lucía – “Entre Dos Aguas”
(Philips, 1975)
“Eu não sou uma grande seguidora do flamenco, mas há coisas que são extraordinariamente fantásticas. Uma delas é este disco. Curiosamente, é um disco que sempre me acompanhou nas viagens e que ainda me acompanha. Paco de Lucía fez uma música extraordinária; a sua maneira de tocar, a intensidade, a direcção da música e todo o talento que desbordam das suas gravações. Esta especialmente. É uma compilação, mas nesta gravação está já a história moderna do flamenco. Muito inspiradora.”