O trompetista Luís Vicente tem estado imparável. No ano de 2020 editou um surpreendente disco a solo, Maré (edição Cipsela), que irá apresentar ao vivo no Jazz em Agosto. Nesse atípico 2020, Vicente publicou ainda os discos Pliable (FMR) com o quarteto In Layers, em trio com Olie Brice e Mark Sanders lançou Unnavigable Tributaries (Multikulti) e liderou um magnífico quarteto de músicos internacionais – John Dikeman, William Parker e Hamid Drake – que publicou o disco Goes Without Saying, But It’s Got To Be Said (edição JACC Records). Agora, o trompetista acaba de editar mais um trabalho original, Chanting In The Name Of, desta vez pela editora Clean Feed. O disco foi gravado com um novo trio, onde Vicente tem a companhia de dois músicos nacionais, Gonçalo Almeida no contrabaixo e Pedro Melo Alves na bateria. Numa pequena entrevista, Luís Vicente apresenta este novo disco.
Porquê o título Chanting In The Name Of? Que ideias pretendes expressar com este disco?
Chanting In The Name Of já existia antes de dar o nome ao álbum, é igualmente o nome de uma composição que o integra. Este título sugere como que uma invocação de algo ou alguém que se admira, respeita ou venera. O sentimento que me invade no momento em que toco e que realmente me faz sentir bem, confortável, o que chamo de “porto seguro”, evasão, onde me sinto num estado de transe, que não sei bem descrever, uma sensação de leveza onde parece que não comando nada mas há um rumo uma direção em que o percurso é todo ele feito com fluidez. Na vida para além da música só encontro paralelismo para este sentimento quando praticava capoeira, em que movimento, equilíbrio, associado a comunicação, aconteciam de forma espontânea, uma espécie de meditação dinâmica, sem forçar o que quer que fosse, mas tudo fazia sentido e tinha um propósito. Acredito que a música como o meu querido amigo Hamid Drake referiu, citando John Coltrane, tem um poder curativo, cicatrizante e é aí que eu também me revejo e identifico, tendo presentes essas propriedades ao invés do carácter de entretenimento que esta arte pode muitas e na maior parte das vezes assumir. Traduzindo em palavras é esta a melhor descrição que encontro para a minha música e para este disco.
Neste trio tocas com o Gonçalo Almeida e Pedro Melo Alves. Porquê a escolha destes músicos para este projecto?
São músicos que conheço bastante bem, abraçaram desde logo a “minha música” dando-lhe uma forma e cor que me agradou muitíssimo logo de início. Foi bastante fácil o nosso entendimento desde o primeiro momento em que tocámos juntos, a comunicação fluiu de forma incrível, existe uma paixão comum pela descoberta, pelo risco e uma magia que acontece de forma natural. Interessa-me a música em que a forma é elástica, moldável, nunca igual, em que a podemos chamar de orgânica, sempre disponível para assumir novas formas e contornos. O virtuosismo na execução e a complexidade na composição, sempre foram secundários para mim, atrai-me o “mandar-me de cabeça” ou ir em frente “às escuras”, lidar com o que há pelo meio, assumindo riscos e consequências, acreditando que cada um dos intervenientes terá sempre algo interessante, transcendental e surpreendente para partilhar ou seja o desafio não está no ponto de partida mas sim no durante, o que pode surgir, o deixar-me surpreender, e tanto o Pedro como o Gonçalo são exímios a executar esta arte dessa forma. Tem sido sempre fascinante tocar com eles e acredito que é assim que será também nos próximos encontros que estão agendados para breve.
O disco é editado pela Clean Feed e tem liner notes de Hamid Drake. Tocaste com Hamid Drake, num quarteto com William Parker e John Dikeman. Depois desta ligação, o que significam para ti as palavras de Hamid Drake?
Ter tocado, gravado e lançado o disco Goes Without Saying But It’s Got to Be Said com estes músicos foi uma experiência única e incrível, momentos de partilha musical e camaradagem inesquecíveis, daquelas experiências para a vida, extremamente enriquecedoras a todos os níveis. O John já conhecia bastante bem, é um amigo de longa data que muito prezo e admiro. Com o Hamid e o William já me tinha cruzado e conhecido em outras ocasiões, quando estava em tour, mas nunca tinha existido esta proximidade e partilha de palco. Espero voltar brevemente aos palcos com este grupo, é uma energia brutal tocar com eles, muito especial mesmo, são décadas de história, todo um legado a operar, é uma vibe fortíssima, indescritível. Fiquei muito feliz por o Hamid ter gostado do disco e ter aceite o convite para escrever sobre a música, uma verdadeira honra e privilégio. É um ser humano lindo e um músico impressionante, um dos meus heróis por tudo o que representa. Lembro-me de cada minuto que passámos juntos, histórias infindáveis, muita coisa boa a reter, posso considerar-me um privilegiado. Sinto-me a dar mais um passo na direção certa, neste longo por vezes sinuoso, complexo e interminável caminho na busca de valores que muito prezo, genuinidade, felicidade e paz. O Hamid foi bem fundo no que toca aos valores humanos, sensoriais, terapêuticos existentes na música, lembrando que esta é muito mais que uma simples manifestação festiva ou lúdica, existindo algo para além disso.