Vítor Pereira apresenta-se

Natural do Porto, o guitarrista Vítor Pereira vive em Londres há vários anos. Músico com um percurso atípico, Vítor Pereira já editou três discos como líder: “Doors” em 2011, “New World” em 2016 e “Somewhere in the Middle” em 2018. Para já vai continuar a apostar no seu quinteto e apresenta-se ao vivo em Portugal, em Lisboa e no Porto: toca na Sala Porta Jazz a 29 de Dezembro e actua no Hot Clube nos dias 11 e 12 de Janeiro. Antecipando estes concertos, Vítor Pereira apresenta-se, numa entrevista exclusiva. 

Pode apresentar o seu percurso?
Nasci no Porto em 1979 e o meu interesse pela música começou relativamente tarde. Por volta dos 16 anos peguei numa guitarra pela primeira vez mas rapidamente me vi emergido no circuito de bandas de rock locais. A excitação de fazer parte de uma banda e a emoção das primeiras performances provaram ser experiências cruciais que me levariam ultimamente à decisão de me tornar um músico profissional. Na altura a única via académica para estudar música era no âmbito da música clássica. Foi então que comecei a estudar o programa de guitarra clássica do conservatório na Academia de Música Silva Monteiro concluindo-o em 2003. Esta passagem pela música clássica veio a tornar-se uma influência fundamental na música que escrevo hoje, não tanto no que toca à guitarra mas definitivamente no que diz respeito às aulas de composição e análise musical que tive. Nesta altura vivia dois percursos musicais bastante distintos e separados. Um mais académico regido pela rigidez do ensino da música clássica da altura, e outro mais aberto com origens no rock e guitarra elétrica mas com diversas incursões ao mundo do jazz incentivadas pelo meu professor de guitarra da altura. A fascinação pelo jazz levou-me a participar em vários seminários e aulas privadas pela Europa com nomes como: Pat Metheny, Jonathan Kreisberg, Gilad Hekselman, Aaron Goldberg ou Antonio Sanchez. Em 2004 fui admitido na Middlesex University em Londres onde estudei com Stuart Hall, Chris Batchelor e Nikki Illes e onde concluí uma licenciatura em Jazz performance. Desde então a viver em Londres, tenho estado activo principalmente na cena jazzística inglesa e portuguesa colaborando com nomes como Asaf Sirkis, James Allsopp, Binker Goldings, Mark Demuth, Josh Arcoleo, etc. Formei o meu quinteto pouco depois de ter acabado a universidade e tem sido a principal plataforma para eu explorar a minha identidade artística e de compositor. Este quinteto conta já com uma carreira que se estende ao longo de vários anos e com três álbuns publicados: “Doors” em 2011, “New World” em 2016 e o mais recente “Somewhere in the Middle” em 2018. Todos eles muito bem recebidos pela comunidade jazzística e media internacional proporcionando excelentes críticas, entrevistas, passagens pela rádio e inúmeras performances desde os mais obscuros clubes de jazz londrinos até à abertura do Festival Porta-Jazz no teatro Rivoli do Porto em 2016.

Influências determinantes para a sua música?
Faz sentido para mim pensar que toda a música que ouço e experiências que vivi ficam de certa maneira registadas no meu subconsciente e que naturalmente de forma mais ou menos directa vêem a luz do dia na música que vou escrevendo. Há influências que no entanto são bastante conscientes e que fazem de certa forma parte do meu “som”. O rock que tanto esteve presente numa fase inicial continua a ter bastante influência. Admiro principalmente a energia e força de riffs e a capacidade que eles tem de captar por vezes até fisicamente a atenção do ouvinte. A música clássica tem especial importância no processo de composição, em particular no uso de contraponto e desenvolvimento motívico e também de recursos da música minimal. Outra influência que esteve bastante presente particularmente nos dois primeiros álbuns foi a música folk. Tanto a portuguesa como a folk escandinava. Passei uns bons anos a ouvir bandas como os Hedningarna e a forma como estas melodias aludem a uma energia de certa maneira tribal e primitiva de ligação à “terra” sempre me fascinou. O jazz é obviamente a influência mais significante. Ícones da história do jazz como Coltrane, Wes Montgomery ou Lennie Tristano fizeram parte de vários momentos da minha carreira e formação jazzística. Ultimamente tenho-me rendido ao jazz mais contemporâneo de génios como o pianista Vijay Iyer ou o guitarrista holandês Reinier Baas.

Qual a sua ligação com o jazz?
A minha relação com o jazz começou quando o meu professor de guitarra elétrica da altura começou aos poucos a ensinar-me algum. De repente abriu-se todo um universo de infinitas possibilidades e eu apaixonei-me logo a partir do momento em que comecei a entender como tudo aquilo funcionava. Uma das componentes mais úteis deste tipo de música é a capacidade e destreza que se adquire na manipulação de música pura. Isto para além de facilitar a compreensão dos mais variados géneros de música, potencia também a construção de uma linguagem musical concreta bastante individual. Sempre tive uma inclinação para escrever as minhas próprias músicas e o jazz é uma plataforma ideal para explorar um som que seja pessoal e distinto.

No processo de composição, quais os elementos que mais valoriza?
Existem alguns conceitos que costumam estar presentes quando escrevo música. A partir do momento em que surge algum fragmento melódico mais consistente, tento tal como é prática usual na música clássica obter o máximo de material musical possível a partir deste. Isto envolve dissecar uma melodia em vários elementos e derivar desta um número de variações. Para além de ser uma excelente técnica para a fabricação de material e opções, é também uma maneira de dar uma certa coesão a toda a peça. Neste quinteto também faço o possível por explorar várias maneiras de trabalhar os dois saxofones. Gosto particularmente de usar o contraponto tanto para dar densidade a uma secção melódica como para criar diferentes texturas, por vezes antagonistas ou minimais onde posso recorrer a mecanismos mais complexos como os polirritmos por exemplo. Também incentivo os músicos a tomarem várias liberdades com o material escrito e a adornarem certas passagens com linhas improvisadas ou ruído até. Isto permite de certa forma “sujar” a música e atribuir um aspecto mais “orgânico”. De resto, valorizo bastante todos os recursos que permitam cativar e segurar a atenção do ouvinte. Melodias fortes e o uso de riffs são bastante eficientes neste sentido.

Planos para o futuro?
Este quinteto tem vindo a desenvolver um certo perfil ao longo dos anos e acho que finalmente chegou a um ponto em que adquiriu atenção suficiente para tentar a sorte nos circuitos de jazz internacionais. 2019 vai ser o ano em que eu vou fazer os possíveis para exportar esta banda para o resto da Europa. Há também um outro projecto novíssimo que me tem deixado bastante excitado. Apresentei-o pela primeira e única vez no dia 5 de Dezembro em Londres quando decidi abrir o concerto de lançamento do meu novo álbum com algo diferente. É um quarteto de fusão entre o jazz e a música de câmara. Composto por violoncelo, guitarra, saxofone e bateria, permite-me explorar muito mais o meu lado compositor e fiquei extremamente contente com o resultado e potencial. Chama-se Electric Chamber e vai ocupar bastante do meu tempo neste próximo ano.