3 discos? A escolha de Alex Figueira

Nasceu na Venezuela, passou por Portugal e vive na Holanda. Alex Figueira é mentor dos Fumaça Preta, banda de rock psicadélico que tem conquistado o mundo e já actuou em Portugal (FMM Sines, Milhões de Festa, ZDB, Musicbox…). Em paralelo, Figueira lidera o Conjunto Papa Upa, onde trabalha uma exploração moderna da tradição polirrítmica venezuelana. Agora, acaba de editar o primeiro single em nome próprio, em regime afro-funk: “Platanito / Guacuco”. Lançámos-lhe o desafio: escolher 3 discos de jazz. A resposta do Alex não se limitou à escolha e à sua justificação, também explica a sua relação pessoal com o jazz. Obrigado, Alex!

Continue reading “3 discos? A escolha de Alex Figueira”

3 discos? A escolha de Carlos Bica

[Fotografia: Vera Marmelo]

O contrabaixista e compositor Carlos Bica é uma das figuras maiores do jazz português. É mentor do trio Azul, com Frank Möbus e Jim Black, com quem gravou discos como “Look What They’ve Done To My Song” ou “Believer” e já em 2018 editou o álbum “Azul In Ljubljana” (Clean Feed). Mantém o projecto Diz, uma parceria com a cantora e actriz Ana Brandão. Em 2005 gravou um disco a solo, “Single”, publicado pela editora Bor Land. E editou o disco “Matéria Prima”, ao leme de um grupo que inclui o pianista João Paulo Esteves da Silva. Tem colaborado com o quarteto berlinense MOVE String Quartet e no ano passado iniciou uma nova parceria com os músicos nacionais André Santos e João Mortágua. Carlos Bica aceitou o desafio de escolher três discos de jazz. O contrabaixista confessa: “optei pela escolha espontânea de três álbuns que me ocorreram”. Estas são as suas escolhas.

 


Bill Evans – “You must believe in Spring”
(Yellowbird, 1977)

“Este é um dos meus discos favoritos desde sempre, de um lirismo único e de uma beleza impressionista, “You must believe in Spring” é poesia pura. Apesar de Bill Evans certamente não ter tido essa intenção, soa como se de um álbum conceptual se tratasse, cada faixa flui na seguinte, não permitindo ao ouvinte abandonar o barco. Será provavelmente o álbum de Bill Evans onde a sua personalidade musical está mais inerente. Este disco conta com a participação do maravilhoso Eddie Gomez no contrabaixo. Eddie Gomez foi, juntamente com o Charlie Haden, um dos contrabaixistas que mais ouvi quando comecei a estudar música, recordo-me de ouvir os solos do Eddie Gomez e de ficar surpreendido pela riqueza melódica dos seus improvisos, achando impressionante ser possível improvisar daquela maneira, “on the spot”, como se de uma excelente composição escrita se tratasse.”

 


Marc Johnson – “Right Brain Patrol”
(JMT Records, 1992)

“Este foi o álbum que serviu de inspiração para o meu primeiro disco – “Azul”, de 1996. Não terá sido tanto pelas composições, mas antes pelo modo como as canções são tocadas e pelo modo como os músicos trocam de papéis. É um disco sem rótulos, aberto às músicas do mundo. Marc Johnson editou dois anos mais tarde um segundo álbum com este mesmo projecto, onde Wolfgang Muthspiel substituiu Ben Monder na guitarra, mas que infelizmente não possui a leveza e magia que se sente ao ouvir “Right Brain Patrol”. Cada músico é único e é muito sensível mudar um dos três vértices de um triângulo que se diz perfeito.”

 


Jun Miyake – “Stolen from Strangers”

(Yellowbird, 2008)

“Este álbum é um excelente exemplo em como qualquer música poderá servir como fonte de inspiracäo para criar algo de novo e pessoal. O título do álbum, “Stolen from Strangers”, diz tudo e não deixa de ser  curioso ser o próprio músico e compositor a dar-lhe este título. Cada faixa do disco tem um convidado diferente. O ouvinte é levado a saltar entre universos musicais bem distintos mas que aqui convivem e se harmonizam. Não é jazz, é música do mundo. É um disco alegre que eu gosto volta e meia de ouvir.”

3 discos? A escolha de Marta Hugon

A cantora Marta Hugon é uma das grandes vozes do jazz português. Iniciou a sua discografia com o álbum “Tender Trap”, em 2005, tendo editado seguidamente os discos “Story Teller” (2008), “A Different Time” (2011) e “Bittersweet” (2016) – onde se incluiu uma inesperada parceria com Samuel Úria, no tema “Insane“. Já este ano a cantora apresentou-se com um novo projecto, Elas e o Jazz, trio de jazz vocal com Joana Machado e Mariana Norton, onde se reinventam temas do cancioneiro jazzístico tradicional e da Broadway com refinadas harmonias vocais. Três discos de jazz? Estas são as suas escolhas.

 

Brad Mehldau Trio
“Places”
(Warner, 2000)

“Gosto de todos os discos de Mehldau. Adoro o que faz às canções que vai buscar fora do jazz. Mas este disco é todo feito de originais, na sua maioria escritos enquanto andava na estrada com Jordi Rossy e Larry Grenadier. Places é um disco sublime sobre a procura do sublime na vida e na música. Uma espécie de geografia da própria memória dos lugares por que Mehldau passou, que tem como fio condutor o desejo de recuperar e tornar próximo aquilo que o tempo tornou distante. É um sentimento com o qual me identifico e a sua música consegue torná-lo tangível.”

 

Keith Jarrett
“The melody at night with you”
(ECM, 1999)

“Algumas das mais belas versões de standards de jazz que conheço estão neste disco. É um disco de referência, daqueles que me fizeram apaixonar por esta música. Há uma grande intimidade e ao mesmo tempo uma espécie de exaltação nesta gravação. O som é maravilhoso, próximo e quente, como se estivéssemos na sala com Jarrett e o seu piano. A sua interpretação de “I loves you Porgy” faz-me sempre chorar. Os discos, como os livros, estão muitas vezes associados a fases da nossa vida e este está diretamente ligado à altura em que comecei a estudar jazz. Volto muitas vezes a ele.”

 

Andy Bey
“American Song”
(Savoy, 2004)

“Descobri o Andy Bey há muito tempo num concerto no North Sea Jazz Festival, num auditório pequenino. Era uma voz linda de barítono, profunda, cheia da história dos seus quase 70 anos, naquela altura. Foi um lindo concerto, com ele muito tímido e talvez até um pouco magoado com alguma falta de reconhecimento do público. Bey sempre cantou mas teve uma espécie de ressurgimento musical no final dos anos 90. Este “American Song” acabou por ser nomeado para um Grammy. Inspirei-me na sua interpretação para gravar o “River Man” e o “Never let me go” do meu segundo disco.”

3 Discos? A escolha de Júlio Resende

O pianista e compositor Júlio Resende é já um dos nomes maiores do jazz nacional. Estreou a sua discografia com o disco “Da Alma”, em 2007, e desenvolveu um percurso jazzístico com os aplaudidos discos “Assim falava Jazzatustra” (2009) e “You Taste Like a Song” (2011). Mais recentemente tem trabalhado uma reinterpretação pessoal do repertório do fado, registada nos discos “Amália por Júlio Resende” (2013) e “Fado & Further” (2015). Em 2017 fundou o grupo Alexander Search, quarteto que integra o cantor Salvador Sobral. Vai editar um disco novo, acaba de relevar o primeiro single, “Fado Cyborg“, e vai apresentar-se ao vivo no Teatro Tivoli BBVA (2 de Novembro) e na Casa da Música (13 de Novembro). Três discos? Estas são as suas escolhas.

 


Bernardo Sassetti
“Nocturno”
(Clean Feed, 2002)

“Tenho muitas saudades do Sassetti. Quando tinha 18 anos e morava em Olhão liguei-lhe a dizer que ia morar para Lisboa e gostava de ter uma aula com ele. Ele nunca me deu essa aula. Ele não gostava de dar aulas. E eu percebo, dar aulas é muito perigoso, porque se corre o risco de se estar a ensinar mal. Em vez disso almoçámos juntos num hotel. Ahah! Mas o Sassetti deu-me todas as aulas que eu precisava com os seus discos, com a sua dedicação e entrega à música que eu lhe via nos olhos e nas ações, e a sua incrível gargalhada. O tipo tinha uma gargalhada incrível! “Nocturno” é ainda o disco do fabuloso trio que contém os (agora amigos lindos!) Carlos Barretto e Alexandre Frazão. É um disco de craques, é um disco para reouvir, é um disco que queremos sempre perto, é um “filho” do Sassetti e os nossos filhos, como diz o poema, são imortais.”

 


Keith Jarrett
“The Köln Concert”

(ECM, 1975)

“Mais uma vez, era ainda jovem adolescente, ainda morava em Olhão, e o carismático Manuel Jorge Veloso tinha um programa de jazz na Antena 2 (julgo que às 23h de domingo ou às 00h) que eu ouvia religiosamente. Esqueçam lá a internet. Não havia. Escutei este concerto e senti algo como: “epá, para além de estar a ser lindíssimo e forte, isto parece-me improvisado!” Eu na altura não tinha essa informação porque quase nada sabia sobre o Jarrett e nada sabia sobre o disco, só consegui entender que era improvisado pelo ouvido, pelo modo como tocava. A música parecia que estava destinada a ser aquela, como se estivesse já escrita, mas ao mesmo tempo havia uma fluidez que me indicava algo mais corajoso, algo a ser escrito no momento. Marcou-me. Há alguém que não seja marcado por isto?”

 


Brad Mehldau
“Introducing”

(Warner, 1995)

“Vá se lá saber como, a Worten em Olhão (imagine-se!) tinha na altura nas suas prateleiras um primeiro disco de um tal de Brad Mehldau Trio que eu tinha escutado no canal de cabo Muzzik e que tinha adorado. Dirigi-me ao supermercado e lá estava o disco. Nessa altura já tocava nos bares lá pelo Algarve e ganhava uns trocos e comprei o disco por 890 escudos, acho. Vim para casa meti o CD na aparelhagem, e poucas vezes de lá saiu até agora. Ahaha! Mentira! Tenho ouvido outras coisas, mas esse CD fez me encontrar alguém que eu sentia que já nessa altura estava a levar a estética do piano jazz para a frente. Alguém vivo e jovem. E estava ali à minha frente. Para me guiar. Para me dizer que é possível sermos diferentes. Um grande disco com dois trios, porque nessa altura o Brad ainda não sabia qual era a formação com que queria tocar e seguir carreira: se com o Jordy Rossy e o Grenadier, se com o McBride e o Brian Blade. Pois é, até o Brad tem dúvidas. Ouviu, senhor Cavaco Silva?”

3 discos? A escolha de Fabricio Vieira

Fabricio Vieira, jornalista brasileiro, é editor do site Free Form, Free Jazz, página dedicada à música improvisada, criada em 2009. Escreveu sobre jazz para a Folha de S. Paulo e foi correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz e é autor de liner notes para discos de Roscoe Mitchell e Ivo Perelman.

“Selecionar três discos no universo jazzístico parece tarefa impossível. O que escolher? Para aliviar a sensação de estar cometendo injustiça com esse ou aquele músico, tentei buscar algum critério para tal seleção. Tendo em foco a seara free jazzística, destaquei três álbuns que são fundamentais para mim, como ouvinte, mas que também representam momentos maiores dessa música, englobando diferentes períodos e gerações.”


The Peter Brötzmann Octet – “Machine Gun”

(Brö, 1968)

“O saxofonista alemão Peter Brötzmann tinha apenas 27 anos quando entrou em estúdio com seu octeto para gestar esta obra-prima. Marco dos tempos iniciais do free jazz europeu, Machine Gun é um álbum que não perdeu intensidade, sendo indiscutivelmente atual mesmo passados exatos 50 anos desde sua criação. O grupo comandado por Brötzmann, formado por músicos de Holanda, Bélgica, Suécia e Inglaterra, trazia alguns dos que estariam entre os mais destacados instrumentistas do free vindo da Europa: os saxofonistas Evan Parker e Willem Breuker; os bateristas Han Bennink e Sven-Ake Johansson; os baixistas Peter Kowald e Buschi Niebergall; e o pianista Fred Van Hove – que time! O disco original traz apenas três peças, “Responsible”, “Music for Han Bennink” e a faixa-título, um dos temas mais marcantes do free jazz.”

 

 
David S. Ware Quartet – “Godspelized”

(DIW, 1996)

“O saxofonista David S. Ware (1949-2012) é um dos nomes centrais da minha discoteca, um músico que considero especialmente importante, tanto como improvisador quanto como compositor. Para mim, sua obra representa um dos pontos mais elevados da música free jazzística, notadamente pelo que desenvolveu durante a década de 1990. E este “Godspelized” traz alguns dos momentos mais iluminados de seu fantástico quarteto, que contava com nada menos que William Parker (baixo), Matthew Shipp (piano) e Susie Ibarra (bateria). Ouvir a música de Ware é sempre uma experiência única.”

 


Peter Evans – “Zebulon”

(More is More, 2013)

“Em um período de grande ebulição inventiva no trompete, Peter Evans surge como o mais incrível nome do instrumento hoje. Músico jovem, que iniciou sua carreira no século XXI, Evans tem tocado diferentes projetos de grande repercussão, com instigante variedade estética, a destacar seu Quintet e as criações para trompete solo. Neste grupo formado ao lado de John Hébert (baixo) e Kassa Overall (bateria), Evans mostra como revitalizar o free jazz por meio de um trio acústico, exibindo intensa e elevada criatividade em quatro temas irresistíveis.”

3 Discos? A escolha de Joana Barra Vaz

Joana Barra Vaz vem trilhando um percurso original entre a música e o cinema. Em 2012 realizou o documentário “Meu Caro Amigo Chico“, no mesmo ano editou o EP “Passeio pelo Trilho” e já em 2016 lançou o disco “Mergulho em Loba“. Já este ano participou na final do Festival da Canção interpretando a belíssima música “Anda Estragar-me os Planos“, original de Francisca Cortesão e Afonso Cabral. Três discos de jazz? Estas são as suas escolhas.

 


Billie Holiday with Ray Ellis and His Orchestra
“Lady in Satin”
(Columbia, 1958)

“Se hoje me atrevo a cantar só pode ter sido por ter escutado a Billie Holiday na adolescência durante tardes e noites sem fim — foram as minhas aulas de canto. Neste disco, a voz de Billie Holiday — amparada pelos arranjos para orquestra de Ray Ellis — está mais madura, com marcas da sua experiência de vida e da sua saúde frágil. Ainda hoje me lembro da sensação de espanto ao ouvi-la assim: cada palavra com o seu peso, intenção, e emoção. O que se escuta aqui não é só um disco, é também tudo o que está bem perceptível nas pausas, nas mudanças de melodia, nas respirações, nas quebras de voz: é uma vida inteira cravada nestas canções.”

 


Charles Mingus
“Mingus Plays Piano: Spontaneous Compositions and Improvisations”

(Impulse, 1964)

“Já não sei se foi quando vi o “Shadows” do John Cassavetes, ou se foi antes disso, que me agarrei à música do Charlie Mingus. Dos discos do Mingus, este é o mais rodado da minha colecção. Sei-o de cor. É um luxo poder ouvi-lo assim a cru: a improvisar e a compor como se estivesse no piano da minha sala. Mesmo que a certa altura durante a gravação se oiça Mingus a dizer: “I don’t think I should improvise man. It’s not like sittin’ at home, I can tell you that. It’s not like playing at home by yourself.””

 


Marco Franco
“Mudra”

(Revolve, 2017)

“É tão bonito que me comove. Apanhou-me de surpresa. É daqueles discos que desenha o seu próprio lugar quando se escuta. Impossível não o ouvir por completo de todas as vezes. Também é um disco que veio sustentar a minha crença que quando um músico se desprende do seu instrumento chega a novas formas de expressão musical e, sem rede, descobre novos lugares.”

3 discos? A escolha de Rodrigo Amado

[Fotografia: André Cepeda]

Rodrigo Amado é um saxofonista português com uma sólida carreira internacional, ao leme dos grupos Motion Trio (com Miguel Mira e Gabriel Ferrandini), Northern Liberties e Wire Quartet, entre outros projectos, parcerias e colaborações. Com o quarteto This Is Our Language (com Joe McPhee, Kent Kessler e Chris Corsano) prepara-se para lançar um novo disco, “A History of Nothing”, numa edição da austríaca Trost Records. 3 discos? Estas são as suas escolhas.

“Para esta escolha, optei por três reedições relativamente recentes que me têm dado a volta à cabeça. Três discos gigantes que saem do universo infinito da música ainda por descobrir. Qualquer um destes discos ensina-nos que é possível criar música que não só sobrevive, e bem, à passagem do tempo, como cresce de forma contínua em actualidade e relevância. Numa primeira escolha, um pouco mais alargada, estavam também “European Radio Studio Recordings” do quarteto de Albert Ayler (Hatology), “New York Concerts” de Jimmy Giuffre, em trio e quarteto (Elemental), “Flight For Four” do quarteto de John Carter e Bobby Bradford (International Phonograph), e o surpreendente “There’ll Be No Tears Tonight” de Eugene Chadbourne (Corbett vs Dempsey).”

 


Jimmy Giuffre 3 with Paul Bley and Steve Swallow
“Bremen & Stuttgart, 1961”

(Emanem, 2016)

“Verdadeiro tratado na arte da composição em tempo real, este foi um disco essencial à minha compreensão da música de Giuffre. As improvisações são incisivas, de uma concentração e contenção estonteantes, e reinventam-se a cada nova audição. O Giuffre, tal como o Cecil Taylor ou o Anthony Braxton, é um daqueles músicos que só agora sinto ter verdadeiramente a capacidade para compreender.”

 


Joe McPhee
“Nation Time – The Complete Recordings”

(Corbett vs Dempsey, 2013)

“A minha relação com a música do Joe é, compreensivelmente, especial, e quanto melhor o conheço mais vontade tenho de mergulhar na discografia dele, que é imensa. Esta reedição do clássico “Nation Time”, revisto e aumentado, veio dar-me a oportunidade de viajar no tempo com um improvisador que considero único e puro como poucos. Inspiração absoluta para projectos futuros.”

 


Sonny Rollins Trio

“Live In Europe 1959 – Complete Recordings”
(Essential Jazz Classics, 2016)

“Esta é, desde há algum tempo, a minha edição preferida do Sonny Rollins. Tornou-se para mim, não só uma referência em termos daquilo a que pode soar um saxofone tenor, mas também uma lição sobre a criatividade no pensamento musical dele. É difícil compreender a frustração que o Rollins sentia na altura com a sua própria música, razão pela qual decidiu abandonar os palcos durante mais de dois anos. A secção rítmica do Henry Grimes com o Pete La Roca é absolutamente brutal.”

3 Discos? A escolha de Inês Meneses

A radialista Inês Meneses é a voz das manhãs na Rádio Radar e a autora do programa “Fala com Ela” – histórico programa de entrevistas a personalidades da cultura e das artes. Colabora actualmente com o jornal Expresso e mantém programas em parceria com Pedro Mexia (“PBX”, podcast Radar/Expresso) e Júlio Machado Vaz (“O Amor é” na Antena 1). Brinda-nos com palavras, brinca com as palavras e é dela essa voz que preenche o éter português. Três discos de jazz? Estas são as suas escolhas.

“O jazz de que gosto agrava a minha melancolia. É um sopro do coração que um trompete ou um piano empurram para fora e fica à mercê da nossa vulnerabilidade. Uso o jazz para me separar as dores, uma reciclagem que nem sempre consigo com outra música.”

Bill Evans – “Portrait In Jazz” (Riverside, 1960)
“Todos os dias passava numa loja antiga cheia de tralha e ficava a olhar para o vinil de Bill Evans na montra. Aquele disco dava à loja a dignidade que ela parecia ter perdido, e eu hesitei em trazê-lo por isso mesmo: ia levar o disco mais bonito que ali estava. Um dia tive que trazer essa dignidade para minha casa…”

Miles Davis – “Someday My Prince Will Come” (Columbia, 1961)
“Ainda está viva Frances, a mulher da capa deste disco, que foi casada com Miles Davis, uma década. Como seria viver com estes homens tão intensos que parecem estar sempre no limite de qualquer coisa? Sempre prestes a transbordar…? Neste disco, a última colaboração entre Miles Davis e John Coltrane.”

The Modern Jazz Quartet – “Pyramid” (Atlantic, 1960)
“Sem querer, acabo a escolher discos da mesma altura. Este é muito recente em minha casa. Tem o John Lewis ao piano (o fundador do Modern Jazz Quartet), um homem que ouvia e tocava muita música clássica. É um disco de uma elegância tão rara. Veste de tuxedo a minha melancolia.”

3 Discos? A escolha de Helena Espvall

A violoncelista Helena Espvall vem sedimentando um percurso musical rico e diverso, entre a folk, a música experimental e a improvisação livre. Originária da Suécia, viveu vários anos em Philadelphia e reside em Lisboa desde 2012. Integrou as bandas Espers e The Valerie Project, formou o duo Anahita com Tara Burke (AKA Fursaxa) e, entre outros, colaborou com músicos como Vashti Bunyan, Damon and Naomi, Marissa Nadler, Bert Jansch ou Charalambides. Tem também desenvolvido trabalho em nome próprio e actualmente é uma figura muito activa na cena improvisada lisboeta. Estas são as suas escolhas.

“Para mim é muito difícil escolher apenas três discos… Fico com pena de deixar de fora músicos como Arthur Russell, Kate Bush, Nelson Angelo & Joyce, Milton Nascimento, Iva Bittova, John Cale, Jordi Savall e Eric Dolphy, entre muitos outros!”

Sparks – “Kimono My House”
(Island, 1974)
“Foi o primeiro disco que comprei e ainda hoje continuo enfeitiçada por esta música! A primeira canção, “This Town Ain’t Big Enough For The Both Of Us”, deu-me cabo da cabeça quando a ouvi em miúda – era simultaneamente a música mais estranha e mais cativante que eu já tinha ouvido… Foi a minha primeira experiência de ficar completamente fascinada pela música e desde aí as coisas nunca mais foram as mesmas.”

Tom Cora – “Gumption In Limbo”
(Sound Aspects, 1991)
“O Tom Cora foi a minha primeira inspiração do violoncelo não tradicional e tenho muita pena de nunca o ter visto ao vivo.  Encontrei a sua música num momento em que estava deprimida com o facto de que nunca seria uma boa violoncelista clássica. Ele mostrou-me que existiam outros caminhos e abriu-me uma grande porta, com os seus dedos aracnídeos e  as suas linhas chamuscantes de violoncelo.”

Turid – “I Retur”
(Silence, 2004)
“É uma compilação que reúne de canções dos três discos que Turid Lundqvist, uma cantora sueca muito tímida, publicou nos anos setenta, antes de abandonar a música, desiludida pelos aspectos dogmáticos do movimento musical esquerdista da altura. Misturando o poético com o político, escrevendo sobre seres míticos das florestas encantadas e ao mesmo tempo sobre destruição ambiental, joaninhas e imperialismo, as suas canções artesanais e a sua voz prateada são dos tesouros mais ricos da Suécia.”

3 Discos? A escolha de Lucía Martínez

Lucía Martínez [Fotografia: Esther Cidoncha]

Natural da Galiza, Lucía Martinez é uma criativa percussionista, compositora e improvisadora. Passou pelo Porto e por Berlim e dinamiza vários projectos musicais: Lucía Martínez Cuarteto, MBM Trio (com Baldo Martínez e Antonio Bravo), Berliner Project Azulcielo e duo Desalambrado (com Agustí Fernández). É actualmente directora artística do Imaxinasons – Festival de Jazz de Vigo. Estas são as suas escolhas.

“A escolha de discos preferidos é sempre algo muito difícil para uma pessoa que vive ao redor da música, os discos formam parte das nossas vidas, dos nossos amores (ou desamores), do nosso subconsciente e até do nosso mobiliário. Mas, pronto, perante o convite tinha mesmo de pensar qual seria, no dia de hoje (em cada dia seria diferente) a minha selecção. Se jazz ou clássica ou pop… hoje esquecemos as etiquetas, são simplesmente discos. Nesta ocasião a escolha está feita pelo coração, noutra altura da minha vida seria feita com outros critérios. Aqui vão os porquês.”

  

Astor Piazzola / Horacio Ferrer – “María de Buenos Aires”
(Trova, 1968)
“Cheguei a esta gravação quando era uma adolescente em busca de discos para me “alimentarem”. O meu amigo Paulo, que é um par de anos mais velho do que eu, deu-me este disco. O Paulo era já nesses tempos um grande estudioso da música, de todas as músicas, um filósofo, compositor e escritor. Ele falou-me, entre outras coisas, da escola de Nadia Boulanger, em Paris. Falou-me de grandes compositores do século XX que estudaram em Paris com ela. E Piazolla foi também foi um desses compositores que passou por Paris para estudar com a  Nadia (e acho que foi também amante dela!). O caso é que esta grande pedagoga (além de compositora, organista, intelectual, etc.) à chegada de Piazzola, e ao ver esse grande talento que tinha para escrever tangos e o grande conhecimento da sua música argentina, recomendou-lhe aprofundar a “sua” música que era o tango, para chegar ao fundo da sua tradição e encontrar caminhos novos; compor tangos seria a trabalho da sua vida. Tanto é que assim mudou a história da música tango. Esta conversa que tive com o Paulo, ja há mais de 20 anos, mudou a minha vida, fez-me ser uma pessoa com orgulho de ter nascido num lugar onde a música tradicional é tão importante e inspira (digo com toda a modéstia do mundo) ainda hoje, este meu gosto de incluir músicas tradicionais ou folclóricas nos meus trabalhos. Indiferentemente do estilo, o espírito é esse. Nesta gravação, Piazzola toca e Horacio Ferrer recita. A selecção dos músicos e da cantora (a diva de Piazzola, que fez inúmeras gravações com ele) é muito minuciosa. Gravação muito inspiradora e bonita. Grande disco, grande compositor e grande interpretação.”

Keith Jarrett – “The Köln Concert”
(ECM, 1975)
“O “vinil branco” da casa da minha tia. Quando eu ia visitar a minha avó, era o momento de escolher discos e ouvir. Ali descobri coisas maravilhosas. A minha tia que também vivia nessa casa é uma grande melómana  e tinha tudo o que era imaginável. Um dia vi um disco de vinil branco, completamente branco. Pareceu-me tão bonito por fora que imaginava que estava dentro deveria ser muito bonito. Desde aquele dia esse disco deu tantas voltas… São estas “casualidades” na infância que marcam para toda a vida. Que bom foi ter uma infância com tanta música. Tenho que dizer que, sem o saber, foi o meu primeiro disco de jazz. Nesses tempos, eu ainda disfrutava da música “sem etiquetas” de estilos.”

Paco de Lucía – “Entre Dos Aguas”
(Philips, 1975)
“Eu não sou uma grande seguidora do flamenco, mas há coisas que são extraordinariamente fantásticas. Uma delas é este disco. Curiosamente, é um disco que sempre me acompanhou nas viagens e que ainda me acompanha. Paco de Lucía fez uma música extraordinária; a sua maneira de tocar, a intensidade, a direcção da música e todo o talento que desbordam das suas gravações. Esta especialmente. É uma compilação, mas nesta gravação está já a história moderna do flamenco. Muito inspiradora.”