Ao vivo: Joana Guerra @ Culturgest

Em Abril de 2011 ficámos a conhecer Joana Guerra: “Heartcrash”, voz e violoncelo num elevador antigo, um vídeo d’A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. Dez anos depois, a 8 de Junho, vemos a mesma Joana Guerra a apresentar a sua música original ao Grande Auditório da Culturgest, uma das salas de espectáculos mais emblemáticas da capital. Ao longo destes dez anos a violoncelista, cantora, compositora e improvisadora veio construindo uma carreira sólida, aberta a parcerias e colaborações que contribuíram decisivamente para o seu enriquecimento musical.

Em 2013 Joana Guerra inaugurou a sua discografia com o disco Gralha, trabalho a solo onde tocava violoncelo e cantava, além da assinar a autoria de todas as composições. Seguiu-se Cavalos Vapor, em 2016, outro trabalho quase solo (participações pontuais de Gil Dionísio e Alix Sarrouy). Pelo meio explorou a improvisação livre, com o trio Bande à Part, com Carlos Godinho (percussão) e Ricardo Ribeiro (clarinetes), que editou o disco Caixa-Prego (2014). E em duo com Gil Dionísio (violino) publicou o disco Alarming Kids (2019). Em 2017 participou numa residência artística dirigida pela contrabaixista Joelle Léndre, figura gigante da música improvisada europeia, acompanhada por mais quatro instrumentistas portuguesas (Susana Santos Silva, Maria do Mar, Maria Radich e Angelica Salvi). Daqui resultou o surgimento, em 2019, do sexteto Lantana, um grupo exclusivamente feminino dedicado à improvisação – além de Guerra, estão aqui Maria do Mar, Maria Radich, Helena Espvall, Anna Piosik e Carla Santana. 

No fim de 2020 chegou Chão Vermelho, um trabalho maturado, onde a voz e violoncelo de Guerra se fazem acompanhar por parceiros de outros projectos: Maria do Mar (das Lantana, no violino) e Carlos Godinho (dos Bande à Part, na percussão e objectos). Foi o material deste álbum que foi apresentado ao vivo no palco da Culturgest: ao centro, o violoncelo de Guerra desenha o eixo das canções, no pizzicato ou no arco; o violino de Maria do Mar sublinha os motivos do violoncelo; e a percussão de Carlos Godinho funciona como contraponto, subtil mas subversiva, provocante. Violoncelo, violino e percussão constroem atmosferas melancólicas, sobre as quais a voz (que canta, alternadamente, em português, inglês e francês) acrescenta substância.

Nos diálogos entre os instrumentos há insinuação e confronto, a música vive em estado de tensão. A música ganha formas diversas, alternando momentos de religiosidade, raiva animal, dor, sacrifício, celebração ou transe. Sempre surpreendente, Joana Guerra vem desenvolvendo um percurso rico e diversificado, onde não abdica de trabalhar a exploração criativa das formas musicais, desde aquele início com “Heartcrash” até à actual dolência de Chão Vermelho. Na noite desta terça-feira a Culturgest assistiu à consagração o seu talento.