Antevisão: Jazz em Agosto 2017


Heather Leigh & Peter Brötzmann [Fotografia: Fabio Lugaro]

A 34ª edição do Jazz em Agosto realiza-se entre os dias 28 de Julho e 6 de Agosto. O mais importante festival português de jazz contemporâneo, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, leva a Lisboa um conjunto de propostas que reflecte a amplitude do jazz do nosso tempo, desde a improvisação aberta até à fusão do jazz com outras linguagens.

O festival arranca a 28 de julho com os Sélébéyone de Steve Lehman. Cruzando as linguagens do jazz e do hip-hop, este projecto tem como principal característica a participação de dois “rappers”, HPrizm (Antipop Consortium) e Gaston Bandimic (do Senegal). Além destes e do sax alto de Lehman, o grupo tem a participação de Maciek Lassere (saxofone soprano), Carlos Homs (teclados), Chris Tordini (baixo elétrico) e Damion Reid (bateria). Se é verdade que há um histórico de diálogos entre jazz e hip-hop (como os icónicos “Rockit” de Herbie Hancock, “Doo-Bop” de Miles Davis ou “Jazzmatazz” de Guru), os mesmos ganharam maior expressão com a parceria entre Kendrick Lamar e Kamasi Washington ou o projecto The Young Mothers (de Ingebrigt Håker Flaten, que actuou no Jazz em Agosto de 2015). Já figura de proa do jazz do nosso tempo, Lehman vem construindo o seu percurso como sólido instrumentista e compositor originalíssimo – confirmado em discos marcantes como “Manifold” (2007), “Dual Identity” (2010) e “Mise en Abîme” (2014). Ao leme dos Sélébéyone, Lehman ousa uma arrojada interligação de idiomas musicais sempre em alta intensidade. 

O Jazz em Agosto continua no dia seguinte, 29, às 18h30, com a actuação de Steve Lehman a solo (saxofones e electrónica). À noite (21h30), o Auditório ao Ar Livre acolhe o trio Sun of Goldfinger de David Torn. Guitarrista atípico, Torn ficou conhecido por combinar sons eléctricos e acústicos e, além do trabalho em nome próprio – destaque para o excelente “Prezens” (ECM, 2005) –, é responsável pela produção de obras-primas alheias (destaque para a colaboração com Tim Berne). Neste projecto Torn junta-se ao saxofonista e amigo de longa data Tim Berne e ao baterista Ches Smith, para uma música que desafia fronteiras.

No dia 30 de Julho a música arranca às 18h30 com Julien Desprez a solo (Auditório 2). No espectáculo “Acapulco Redux”, o músico francês apresenta um solo de guitarra eléctrica. À noite, Desprez volta a palco, desta vez como membro da Coax Orchestra. Herdeira dos grupos Prime Time de Ornette Coleman e Naked City de John Zorn, a Coax Orchestra toca uma música resultante de uma mescla de referências, do jazz aberto ao rock libertino. Além de Desprez, o grupo inclui Antoine Viard (saxofone), Aymeric Avice (trompete e percussão), Romain Clerc-Renaud (teclados), Rafaëlle Rinaudo (harpa elétrica), Xuan Lindenmeyer (baixo elétrico) e Yann Joussein (bateria, composição e direcção).

Na noite de segunda-feira, 31, o veterano Peter Brötzmann (saxofones e clarinete) regressa ao Jazz em Agosto, desta vez para actuar em duo com Heather Leigh (guitarra “pedal steel”). Este é o mais recente projecto do saxofonista alemão, que já neste ano de 2017 editou o disco “Sex Tape” (edição Trost). O sopro incendiário de Brötzmann terá a companhia da guitarra abrasiva de Leigh, americana a residir na Escócia, num duo de verdadeira música de fogo.

O mês de Agosto começa com a actuação do quinteto Life and Other Transient Storms, na noite de terça-feira. Liderado pela trompetista Susana Santos Silva, este grupo internacional reúne Lotte Anker (saxofones tenor e soprano), Sten Sandell (piano), Torbjörn Zetterberg (contrabaixo) e Jon Fält (bateria). O quinteto desenvolve uma música puramente assente na improvisação livre, fervilhante e sem rede.

No dia 2, quarta-feira, actua no Auditório ao Ar Livre o Sudo Quartet. A formação junta quatro nomes grandes da improvisação livre mundial: o português Carlos “Zíngaro” (violino), a francesa Joëlle Léandre (contrabaixo), o italiano Sebi Tramontana (trombone) e o alemão Paul Lovens (bateria). O álbum “Live at Banlieue Bleue” (NoBusiness, 2012) testemunha a dinâmica do quarteto, um imenso fluxo de ideias numa música rica em detalhes.

O segundo fim-de-semana do festival inicia-se com a prestação dos Starlite Motel – 3 de Agosto, às 21h30. Este quarteto reúne Jamie Saft (colaborador de John Zorn, no órgão Hammond) e três músicos noruegueses de créditos firmados: Kristoffer Alberts (saxofones alto e tenor), Ingebrigt Håker Flaten (baixo elétrico) e Gard Nilssen (bateria). O disco de estreia do grupo, “Awosting Falls” (edição Clean Feed, 2016), exibe a colada interacção sonora da banda.

No dia 4 de Agosto, às 18h30, o Auditório 2 acolhe Pascal Niggenkemper em solo de contrabaixo. O versátil contrabaixista franco-alemão, que tem espalhado o seu talento por diversos agrupamentos (Le 7ème Continente, PNTrio, Vision7, Baloni, etc.), terá oportunidade de mostrar todas as suas capacidades. À noite integra os The Fictive Five, liderado pelo veterano Larry Ochs (saxofones tenor e sopranino). O grupo conta ainda com as participações de Nate Wooley (trompete), Ken Filiano (contrabaixo) e Harris Eisenstadt (bateria). A música do quinteto nasce e desenvolve-se a partir de imagens – do artista visual William Kentridge e dos cineastas Wim Wenders e Kelly Reichardt.

Ao final da tarde de sábado, 5 Agosto, actua o projecto EITR. O duo de Pedro Sousa (saxofones, electrónica) e Pedro Lopes (percussão em gira-discos, electrónica) apresenta no Museu-Coleção Moderna (Nave) a sua música livremente improvisada, mista de “drone” e experimentação electrónica. O disco “Trees Have Cancer Too” (edição Mazagran, 2013) confirma a originalidade da proposta nacional.

Na noite do mesmo dia intervém o supergrupo Human Feel. Quatro músicos extraordinários juntam-se neste quarteto para apresentar um jazz enérgico e eléctrico. Nascido em 1987, junta Andrew D’Angelo (saxofone alto e clarinete baixo), Chris Speed (saxofone tenor e clarinete), Kurt Rosenwinkel (guitarra elétrica) e Jim Black (bateria e eletrónica).

O festival encerra, no domingo dia 6, com os High Risk de Dave Douglas. Neste projecto, o icónico trompetista conta com a companhia de Ian Chang (bateria), Jonathan Maron (baixo eléctrico) e Rafiq Bhatia (eletrónica). Douglas aventura-se numa mescla fluída de jazz e electrónica, resultando um som herdeiro da fusão eléctrica de Miles Davis e próximo dos mundos etéreos de Jon Hassell.

Os bilhetes têm preços entre 12€ e 20€; o passe anfiteatro para todos os concertos vale 100€; o passe para os concertos do primeiro fim-de-semana (29, 30 e 31 de julho) ou do segundo (4, 5 e 6 de agosto) fica por 35€ cada; os concertos no Auditório 2 e no Museu-Coleção Moderna têm entrada gratuita.

Texto publicado originalmente no site Jazz.pt:
http://jazz.pt/preview/2017/06/21/amplitude-do-jazz-do-nosso-tempo/